Não é de hoje que se ouve sobre dificuldades comportamentais e dificuldades de aprendizagem envolvendo os adolescentes. Essa faixa etária possui tantas especificidades que não só no meio educacional, como em ações do dia-a-dia a adolescência é tão desafiadora para quem vive e para quem convive, que por vezes é denominada “aborrecência”. Evidentemente, na Educação Cristã os desafios também emergem, tanto para a família, quanto aos educadores cristãos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, onde a prática devocional, no que tange ao estudo sistemático da Bíblia e de orações diárias próprias da vida cristã em prol de crescer em Graça e conhecimento, torna-se um processo árduo na contemporaneidade.
1. Peculiaridades psicológicas da adolescência
Na adolescência, o indivíduo possui grande necessidade da vivência em grupo, o que passa a ser preponderante na construção da sua identidade e é quando a realidade social ganha extrema notoriedade. Se no aspecto emocional, o adolescente apresenta variações de humor como consequência do “boom” hormonal, no aspecto social há uma constante busca íntima de autonomia, logo qualquer tipo de imposição de um adulto sobre si é expressamente rejeitada. Por isso, é importante levar em consideração os trabalhos colaborativos nessa idade, promovendo um aprendizado também através do grupo, desenvolvendo relações saudáveis com o líder e com o grupo cristão, com estímulo à participação de atividades na igreja e evitando ações repressivas.
É na fase que se inicia na puberdade que a personalidade toma um novo viés, o que por vezes gera a não compreensão dos pais, responsáveis, professores e adultos envolvidos na construção da identidade deste indivíduo em formação, onde mudanças bruscas de temperamento são notadas. O temperamento inclui o modo de perceber as coisas, de fazer escolhas e de relacionar-se com o outro; já a personalidade é a união de características inatas e de características assimiladas, é como o indivíduo se apresenta para a sociedade. Nessa fase, a cultura é um fator preponderante na construção da personalidade, pois enquanto na infância há o aprendizado de moldes culturais através da convivência em família, na igreja e na escola; na adolescência há a reação (e possível rejeição) ao modelo cultural imposto. Entretanto, será na vida adulta que os modelos serão revistos e adequados à personalidade madura.
2. As palavras convencem, mas o exemplo arrasta
Dentre todas as problemáticas que favorecem um desempenho do adolescente aquém do esperado, além das questões psicológicas há a inadequação de metodologias e ferramentas de ensino obsoletas. Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, atualmente há liquidez nas relações sociais tanto entre indivíduos, quanto entre indivíduos e ambientes, logo as relações com os objetos de estudo também são acometidas por essa liquidez e pela rápida necessidade de respostas. O ensino na igreja proporcionado pelas EBDs não está isento dessa influência, logo o adolescente irá se relacionar com os professores e com os conteúdos abordados também de forma superficial. Desta forma, é preciso ressignificar as práticas de ensino, para tornar os temas além de pertinentes também interessantes, responder de forma atual às demandas de conhecimento próprias da faixa etária e alcançar o objetivo final: transformar o atitudinal do aluno.
Alguns estudiosos como Vigotski, afirmam que a construção da consciência e da linguagem se dá de fora para dentro, logo pensar o desenvolvimento humano é atrelá-lo ao momento em que o indivíduo vive, à cultura que o cerca e aos hábitos que o influenciam. Desta forma, as relações humanas são fortalecidas a partir de atividades desempenhadas cotidianamente e a consciência é produzida nas relações concretas de atividade no mundo, através da capacidade individual de abstração (em que cada aluno tem o seu próprio tempo), e a cultura congrega o repertório consolidado dessas abstrações, constituindo a memória coletiva de um povo. Daí a importância do aprendizado a partir da observação, nas máximas de aprender fazendo e aprender vendo o outro fazer.
3. Uma ideia revolucionária
Despertar o interesse do aluno para a condução de uma prática devocional assistida requer flexibilização para se apropriar dos meios de linguagem e acervo cultural que norteiam a realidade do adolescente. A importância do envolvimento da família como referencial a ser observado pelo adolescente é incontestável, por isso o incentivo familiar pode acontecer através dos cultos domésticos e metas estabelecidas (jejuns, propósitos de oração, debates sobre temas bíblicos…) que gerem a sensação de pertencimento familiar e de reconhecimento de sua autonomia. Por outro lado, o professor pode contribuir com ações que estimulem o protagonismo juvenil e ações colaborativas como a monitoria ou pseudo lideranças.
O potencial para produzir e promover ações que estimulem o crescimento espiritual dos alunos podem ser cunhados por sugestões dos próprios adolescentes, onde as lideranças adolescentes serão constituídas nessas próprias ações. A psicóloga Monalisa Barros aponta em seu estudo sobre adolescentes em publicação ao Conselho Federal de Psicologia que, capacitar alunos dessa faixa etária vem a ser uma excelente saída para melhorar a abordagem do grupo, construindo uma parceria entre professor, líder adolescente e a classe. As atividades devem ser entendidas pelo aluno como relevantes e úteis para promoverem uma mudança de comportamento e ainda que os adolescentes tenham dificuldades em compreender a importância de determinados comportamentos no mesmo prisma dos adultos, a ação de jovens multiplicadores incentivando a prática devocional pode ser um referencial a ser seguido pelo grupo. Os líderes adolescentes envolvidos nas ações de estímulo devocional devem ser capacitados e sempre atuarem em dupla ou mais sob supervisão do professor responsável pela sala de aula, a partir de encontros em prol do amadurecimento cognitivo e aprofundamento do conhecimento.
Antes de todas as coisas, todas estas ações apesar de inovadoras nas áreas de conhecimento da Psicologia e da Educação são bem explicitadas em todos os Evangelhos nos atos de Jesus, evidentemente que os apóstolos não eram adolescentes, contudo as reuniões de capacitação de lideranças eram executadas por Ele (Mc 6. 7-13; Lc 9. 1-6; Mt 10.1-24), como também as ações de incentivo ao devocional sempre se colocando como exemplo (Lc 11.1-11; Mt 6.9-18; Mt 26.36-46; Mc 14. 32-42) e atento observador da retórica dominante dos grupos para os quais ensinava através de parábolas (Lc 10. 29-37; Mt 25. 1-13; Mt 21. 28-32; Lc 15. 8-10; Lc 18.1-8).
Referências:
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. São Paulo e Barueri, Ed. Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999
CONTINI, M.L; KOLLER, S; BARROS, M.N. Adolescência e Psicologia: Concepções, práticas e reflexões críticas. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2002
LOPES, Jamiel de Oliveira. Psicologia Pastoral : A Ciência do Comportamento Humano como Aliada Ministerial. Rio de Janeiro: Ed. CPAD, 2017
VYGOTSKY, Lev Semionovich. Obras Escogidas. Madri: editora Visor Dis., S/A, 1997, V. 5. Tradução de José Maria Bravo, Lydia Kuper e Guilermo Blanck. ______. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ______. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.