Muitas interpretações históricas dessa obra sofrem por não considerar adequadamente o
contexto em que viviam as comunidades cristãs de onde surge este livro.
Autor
É o próprio autor que nos dá seu nome: João (1,1-2,4), ressaltando que, como servo de
Deus, ele foi um destinatário privilegiado das revelações divinas que terá que comunicar às
igrejas. Ele se sente na irmandade dos profetas, considerando que escreveu palavras
proféticas em seu livro (22,6-8). Em outro lugar ele afirma que é um irmão e companheiro
do resto da comunidade que aguarda pacientemente o Reino (1,9; 19,10).
Com estas informações, só sabemos seu nome, mas não exatamente quem ele é. Uma
parte importante da antiga tradição o considera como sendo o apóstolo João, filho de
Zebedeu (Justino, Irineu, Clemente de Alexandria, etc.). Outros dizem que ele é João, o
presbítero. Hoje em dia há muitos que argumentam que o nome de João, como autor, tem
um caráter “epigráfico”, no sentido de escrever uma obra atribuindo-a a um personagem
famoso que já não existe, algo comum na literatura antiga.
Os elementos comuns com o Evangelho de João e as cartas joaninas, mas também as
notáveis diferenças de simbolismo, teologia e vocabulário, nos levam a considerar este livro
como pertencente ao que costumamos chamar de “escola joanina”.
Data e lugar de composição
As características das igrejas em Ap 2 – 3 são consistentes com a situação geográfica,
política, econômica, social e religiosa da Ásia Menor no final do século I a.C.
Atualmente existe uma tendência que data a composição do Apocalipse anterior a 70 a.C.
e inclusive há quem estabelece o ano 69, um ano particularmente turbulento na história
romana, com revoltas violentas e consequentes repressões. Os capítulos 17 – 18 aludiriam
aos eventos daquele ano, eventos que ocorreram antes da destruição do Templo em
Jerusalém.
Mas esta hipótese também tem objeções. Dizem, por exemplo, que o fato de Roma ser
chamada de Babilônia, que foi o império que destruiu o primeiro Templo, seja uma alusão
à destruição do segundo Templo, em 70 d.C.
Irineu, em Adv.Haer. 5,30, coloca a visão do Apocalipse no final do reinado de Domiciano
(95-96 d.C.). A recusa dos cristãos em adorar Domiciano como Deus lhes traz perseguição.
E este poderia ser o contexto da composição do livro.
Gênero literário
Além de seu título, o livro do Apocalipse tem características claramente relacionadas à
literatura apocalíptica, embora não seja o único gênero literário presente nesta obra, na
qual também aparecem os gêneros profético e epistolar.
O título pelo qual é conhecido já nos fala sobre este gênero literário.
Apocalipse: revelação
↓
Descubrir algo escondido; tirar o “véu”
Sua função é confortar as pessoas por seu sofrimento em tempos de crise, como a
perseguição. Os “segredos” são revelados a fim de apresentar uma certa interpretação do
próprio tempo e convidar os leitores-ouvintes a viverem na esperança. É uma espécie de
literatura de “resistência” diante de uma situação de sérias dificuldades.
Linguagem e estilo
O grego usado no Apocalipse tem duas características principais: a influência hebraico-armaica e uma série de anomalias gramaticais. O autor passa, em alguns pontos, do grego para o hebraico e vice versa (9,11; 1,:16). Não parece, no entanto, como alguns dizem, ser uma tradução grega do hebraico ou do
aramaico. O autor, certamente, é alguém com um grande conhecimento das tradições
judaicas.
As anomalias gramaticais parecem, ao invés de negligência ou ignorância, ser um
dispositivo estilístico, que procura expressar o inexprimível.
O livro tem uma grande capacidade evocativa que quase sempre evita a citação explícita, mas não implícita: foram encontradas mais de 800 citações implícitas. Encontramos um requinte no estilo, contornos de grande elegância, criatividade, etc. O uso de símbolos é muito frequente, embora sem ser excessivo ou ridículo.
Estrutura literária
A diversidade das propostas existentes nos diz que a estrutura do Apocalipse é uma
questão em aberto. Apresentamos duas propostas que se qualificam como as mais sólidas: uma de J. P.
Charlier e a outra de U. Vanni.
Ambas são semelhantes em relação aos grandes blocos, mas diferem em relação ao início das seções:
J. P. Charlier
A Prólogo e saudação epistolar (1,1-3.4-8)
B Primeiro setenário: as 7 cartas (1,9-20)
C Segundo setenário: os 7 selos (5,1-8,1)
D Terceiro setenário: as 7 trombetas (8,2-14,5)
C’ Quarto setenário: as 7 copas (14,6-19,20)
B’ Quinto setenário: as 7 visões (19,9-22,5)
A’ Epílogo e despedida epistolar (22,6-20.21)
U. Vanni
PRÓLOGO (1,1-3)
I. PARTE: Diálogo litúrgico inicial (1,4-8)
Encontro dominical com o ressuscitado (1,9-20)
Mensagem de Cristo ressuscitado às 7 igrejas (cc. 2-3)
II. PARTE: Seção introdutória (4,1-5,14)
Seção dos selos (6,1-8,5)
Seção das trombetas (8,6-11,19)
Seção do tríplice sinal (12,1-16,21)
Seção conclusiva (17,1-22,5)
EPÍLOGO (22,6-21