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Quando ouvir falar das transformações causadas pela Reforma Protestante, lembre-se: é apenas o poder do Evangelho.

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A Reforma Protestante é muito mais do que um movimento religioso. Digo isto por causa de suas consequências econômicas, políticas e culturais que ajudaram a moldar os países da Europa e suas colônias no período moderno e que são os fundamentos das estruturas sociais que vivemos hoje. Isso é verdade a tal ponto que até mesmo alguns conceitos de nosso vocabulário político contemporâneo são oriundos desse período.[1]

Apesar da Reforma possuir todas essas facetas, é preciso reconhecer que ela é um movimento religioso em essência. Pois, as transformações sociais ocorridas entre o período medieval tardio e o moderno são impossíveis de serem explicadas se ignorarmos algo fundamental: a transformação do pensamento europeu. Como as bases do pensamento moderno europeu estavam enraizadas na religião cristã, não é possível entender de fato esse período sem entendermos as mudanças causadas pela Reforma.

Outrossim, qualquer historiador que queira explicar o período moderno, ainda que não queira analisá-lo do ponto de vista religioso, terá que, inevitavelmente, falar da Reforma. Eu não ignoro os demais movimentos que a precederam ou que se desenrolaram ao mesmo tempo que ela, como a Escolástica, a Renascença e o Humanismo. Porém, temos que reconhecer que os impactos causados na Europa no período moderno não seriam tão grandes se não fosse a Reforma. Foi ela que enfraqueceu a força que a igreja católica possuía sobre a mentalidade das pessoas à época, o que desestabilizou as estruturas políticas da Europa do período medieval tardio.

Pois bem, assim como é impossível explicar o período moderno europeu sem falar de Reforma, também não conseguimos explicar a Reforma sem falar de um homem: Martinho Lutero. É importante deixar claro que a Reforma não é obra de um único homem. Muitos vieram antes e depois dele. Porém, ele foi um dos protagonistas da Reforma dado ao impacto que sua vida e obra tiveram. Mas, afinal, o que Martinho fez? Uma resposta simples seria: ele apenas buscava com sinceridade a sua salvação. Sério. Apenas isso. Foi essa busca que desencadeou todas as transformações causadas pela Reforma. Explico melhor nos próximos parágrafos.

Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben, na Alemanha; filho de Hans e Margarethe Lutero. O pai de Lutero pagava seus estudos e desejava que ele se tornasse advogado. Certa vez, porém, segundo Roland Bainton, que é um de seus mais conhecidos biógrafos, Lutero estava com medo de morrer no meio de uma tempestade e fez um voto dizendo que se tornaria monge se sobrevivesse. Ele sobreviveu, cumpriu seu voto abandonando a carreira de advogado e tornou-se monge aos 21 anos ingressando-se em um mosteiro agostiniano na cidade de Erfurt em 1505.[2]

Lutero viveu de maneira exemplar dentro do mosteiro. Ele mesmo disse certa vez: “Eu era um bom monge e cumpria as regras da minha ordem de forma tão rigorosas que posso dizer que, se alguma vez algum monge alcançou o céu por ser monge, eu também teria alcançado. Se tivesse continuado mais tempo no mosteiro, teria me matado com vigílias, orações, leituras e outros trabalhos.”[3] Lutero buscava desesperadamente alcançar a segurança da salvação. Porém, a buscava através de suas obras, de seus próprios méritos.

Passaram-se os anos e Lutero ainda não tinha encontrado o que procurava. Seu superior no convento, Johann von Staupitz, percebendo a austeridade de Lutero e suas constantes aflições em busca de consolação e da certeza de salvação, acreditava que Lutero encontraria as respostas que procurava na Bíblia. Por isso, transferiu-o para Wittenberg para fazer doutorado em Teologia em 1511.

Staupitz estava certo. Foi nesse período que Lutero fez uma descoberta que mudaria para sempre a sua vida. Lendo as cartas de Paulo, especialmente a de Romanos, Lutero entende a doutrina da Justificação pela Fé. Ele entende que a salvação é obtida pela fé em Cristo e não pelas próprias obras. Entende que as boas obras não são feitas para alcançar a salvação, mas são evidência dela. Ou seja, fazemos boas obras porque somos salvos e não para sermos salvos (há uma diferença enorme nisso). Essa experiência foi tão libertadora para Lutero que ele chegou a dizer: “senti que havia renascido e entrado pelas portas no paraíso.”[4] Aquele monge nunca mais seria o mesmo. Aquele homem, que outrora estava aprisionado em suas inseguranças, agora estava tão livre que nada nem ninguém seria capaz de pará-lo. Eu ouso dizer que todo o resto que fez, ensinou e escreveu é apenas consequência do entendimento que ele obteve de que o justo viverá pela fé.[5]

Há uma coisa importante a ser dita: havia algo muito grave no ensino teológico do período medieval tardio. Digo isto porque o que Lutero descobriu não era algo novo; pois Paulo, já no primeiro século da igreja, ensinava a Justificação pela Fé. A corrupção moral e teológica da igreja no período medieval tardio foi tão grande que os homens não tinham acesso a uma das doutrinas mais importantes da Bíblia. Isso era tão grave que eu entendo e até julgo ter sido necessário as duras críticas que Lutero fez quando escreveu o tratado chamado “Do cativeiro babilônico da igreja” em que ele compara o cativeiro de Israel na Babilônia com o cativeiro com que a verdade estava submetida em seu tempo. Ao mesmo tempo consigo ter uma ideia do quão realmente foi libertador para ele ter entendimento da doutrina da Justificação pela Fé. Pois, ele era como um pássaro saindo da gaiola; a gaiola do pecado. Isso concede ainda mais valor às palavras que ele escreveu em um outro tratado chamado “Da liberdade do Cristão”. Ter escrito este tratado naquele tempo era como voar livre depois de estar aprisionado por toda a sua vida.

Diante de todo esse contexto, creio que agora conseguimos entender melhor o dia 31 de outubro de 1517, que é o dia em que Lutero publicou suas 95 teses contra as indulgências e que hoje nós consideramos como o dia da Reforma Protestante. Eu poderia falar com mais detalhes sobre as 95 teses e toda a questão das indulgências, porém, creio que aqui dou o destaque correto ao fornecer o contexto acima que me permite demonstrar que as 95 teses são parte de algo maior. Elas são apenas a consequência do entendimento de um homem que buscava com sinceridade a sua salvação. Um homem que a princípio ficou frustrado quando tentou buscar a sua salvação através de suas obras, mas que foi transformado quando entendeu que o justo viverá pela fé.[6] Lucien Febvre, conhecido historiador francês, chegou a dizer que as 95 teses não eram apenas teses, mas eram afirmações em que Lutero se coloca por inteiro, pois por trás delas estavam seus heroicos anos de busca para encontrar a paz.[7] Ocorreram outros protestos antes de Lutero, mas nenhum deles teve o mesmo impacto do que as suas 95 teses. Foram as suas 95 teses que deram início aos eventos que desestabilizaram a estrutura política, econômica e cultural de sua época que estavam enraizadas sobre a tradição católica.

Antes de terminar só quero ressaltar a importância da Bíblia. A Palavra de Deus foi o instrumento por meio do qual Deus revelou a verdade a Lutero e que foi capaz de dar-lhe uma base tão firme que nem mesmo o imperador Carlos V seria capaz de fazê-lo recuar. Pois, dentre os diversos contra ataques a Lutero, um dos principais foi a Dieta de Worms em 1521. Nesta espécie de reunião solene, o imperador Carlos V o impeliu a negar o que havia escrito e ensinado. A reposta de Lutero nesta ocasião, em resumo, foi: “minha consciência está cativa à Palavra de Deus.”[8] Aleluia! Aquele monge que anteriormente era vacilante, agora é capaz de resistir até mesmo a uma das maiores autoridades políticas do seu tempo porque tinha uma base segura: a Palavra de Deus.

Para concluir, resumo esse artigo neste último parágrafo: não consigo explicar o mundo atual sem falar das transformações ocorridas no período moderno, que não consigo explicar sem falar da Reforma, que não consigo explicar sem falar de Lutero, que não consigo explicar sem falar de Paulo, que não consigo explicar sem falar da Justificação pela Fé em Cristo. Desta forma, eu entendo que o poder do Evangelho é a causa das transformações ocorridas através da Reforma. Por isso, repito que o está no título, quando ouvir falar das transformações causadas pela Reforma Protestante, lembre-se: é apenas o Poder do Evangelho.


[1] SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[2] BAINTON, Roland H. Here I Stand, a Life of Martin Luther. Tennessee, USA: 1955, p.25.

[3] BAINTON, op. cit., p. 34.

[4] BAINTON, op. cit., p. 49.

[5] Rm 1.17

[6] Rm 1.17

[7] FEBVRE, Lucien. Marinho Lutero, um destino. São Paulo: Três Estrelas, 2012, p. 115.

[8] BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2011, -.304.

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