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Conhecimento de Deus e distinção doutrinária

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“O bom conhecimento de Deus refere-se aos mandamentos e verdades que Ele quer que conheçamos e acreditemos. O conhecimento real de Deus vem da Sua Palavra, e não do coração corrupto do homem” (Jeremias 17.9).

André Batalhão

“Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.”

Habacuque 2.14 NAA

            A humanidade contemporânea, assim como as anteriores, busca algum significado para sua existência. Ela persegue uma experiência que lhe traga algum conhecimento sobre o que sustenta a vida, sobre sua origem; algo que lhe traga esperança, e por consequência, fé (2 Coríntios 5.7; Marcos 11.22). Isso deságua em um conhecimento que reconhece a intrínseca dimensão espiritual do homem, revelando a crucialidade do mistério espiritual na vida da humanidade.

            A falta ou defasagem de conhecimento sobre Deus pode enfraquecer os cristãos de hoje, e “falsear” suas experiências com o Criador. Nessa linha, o teólogo pentecostal Gordon Fee (2007) argumenta que para um mundo qualificado como “pós-cristão”, em que o individualismo e o relativismo prevalecem, a igreja tornou-se um “museu sem uso”, algo sem relevância para a sociedade. O mesmo autor destaca a sua percepção de que, parte da igreja, deixou-se contaminar pela ética relativista e pela política particular, em que ambas são estranhas ao caráter de Deus. Isso demonstra o enfraquecimento da fé humana e a necessidade de apreendermos um conhecimento que vá além das sistematizações de dados e informações sobre alguma coisa.

            A palavra “conhecimento” é oriunda da palavra “conhecer”, do latim da Roma antiga “cŏgnōscӗre” (CUNHA, 2010). A palavra “conhecer” sobrevém do mesmo radical da palavra “gnose”, que significa “conhecimento”, ou “gnóstico”, que é quem possui o conhecimento. Refere-se a ter compreensão ou familiaridade. No Antigo Testamento, o conhecimento está principalmente relacionado à experiência e ao relacionamento. Já o Novo Testamento desenvolveu conceitos mais epistemológicos de conhecimento (GARRETT, 2016).

            À luz da Bíblia, Deus é a origem de todo tipo de conhecimento (Gênesis 2.9; Tiago 1.16-18; Salmo 139.6). O conhecimento de Deus dá entendimento àqueles que buscam e alimentam-se da Palavra (Provérbios 15.14; Oseias 6.3). É de extrema importância aproximar o conhecimento de Deus ao conhecimento humano, por meio de experiências vivenciadas pelo cristão (Romanos 11.33) e pelo estudo das Escrituras (Provérbios 12.15). Experiências corriqueiras, do nosso dia a dia, podem ser codificadas à luz da Palavra de Deus. Leituras diárias da Bíblia, devocionais, estudos em grupo e cultos familiares, por exemplo, podem contribuir para o aumento do nosso conhecimento sobre Deus (2 Pedro 3.18).

            Conflitante ao conceito bíblico de “conhecimento”, cito o conceito originado pelas culturas presentes no Antigo Oriente Próximo, fronteiriças a Israel. No antigo Oriente Próximo, o conhecimento estava intimamente ligado às visões (ou cosmovisões) de uma civilização sobre as origens divinas e humanas, atrelado às abordagens antropomorfistas e de personificação de divindades. Isso vai contra a narrativa bíblica, que evidencia a crença em que o Deus de Israel é a Divindade Única e é o Único e Soberano Criador de todas as coisas.

            As crenças em divindades advêm de alguns tipos de conhecimento. Cito, aqui, apenas dois tipos de crenças, que estão associadas ao conhecimento: crenças não-reflexivas e crenças reflexivas (SPENBER, 1997; BARRETT; LANMAN, 2008). As crenças não-reflexivas estão associadas ao conhecimento tácito. Essa crença é composta por representações cognitivas, que não passam por qualquer tipo de crivo mental complexo, recursos conscientes, reflexivos ou deliberados. Crenças não-reflexivas incluem ideias como: “a terra gira”, “se eu entrar em contato com a água, eu me molho”, etc. Do outro lado, as crenças reflexivas demandam um conhecimento prévio organizado, por meio da consciência – do latim cōnscientiῘa, que significa “conhecimento partilhado por alguém”. Crenças deste tipo incluem ideias como: “a onça pintada é mais corpulenta do que um leopardo, e, por isso, perde em agilidade para este”. Nesta última, há a necessidade de um esforço intencional pelo conhecimento.

            O verdadeiro conhecimento foi apresentado por revelação e confirmado pela razão e experiência (1 Coríntios 14.6; Efésios 1.17). A bela simplicidade do cristianismo é o seu equilíbrio entre razão e revelação. O “ofício” da fé pode tirar o homem das trevas e dar origem a uma nova compreensão e iluminação. Seguindo as ideias de Bacon, Boyle afirmou que descobertas científicas destinadas ao aprimoramento do homem foram, em última análise, uma revelação de Deus. Tais revelações surgiram de um trabalho de pesquisa condescendente, e, sobre isso, Bacon e Boyle argumentaram que a filosofia poderia incutir grande fé. Deus recompensou os fiéis que realizaram pesquisas filosóficas no espírito de piedade prática (veja Provérbios 29.18), concedendo insights graduais sobre o funcionamento da natureza (MADDEN, 2006).

            A busca do conhecimento de Deus remete-nos aos interesses da atividade intelectual, que é o centro inspirador da consecução do relacionamento íntimo com o Criador (Romanos 12.2,7), e precede às funções exercidas na igreja. Adentrar-se profundamente no campo teológico é algo prudente a se fazer se você pretende iniciar um desenvolvimento racional da ciência divina. Isso dar-lhe-á maturidade intelectual e elevação espiritual, constituindo a completude da vida no Espírito.

            Para desenvolver um bom nível intelectual baseado no conhecimento de Deus, não devemos nos entregar a nenhum mágico curso online ou treinamento, que promete um conhecimento pronto sobre uma doutrina ou cosmovisão em poucas horas. Essa decisão deve ser um processo consciente, suportado pelos princípios da Palavra de Deus (Hebreus 5.12; Salmo 111.10). A busca, apreensão e construção do conhecimento vindo de Deus depende da constatação de que a finalidade última não foge dos fundamentos divinos (Provérbios 16.25). O contato com o Deus Pessoal nos ajuda a não ficar tateando sobre discursos obscuros como cegos pelo caminho.

            Não que as forças extrínsecas não tenham seu devido valor, mas, aqui, a invocação de Deus tem seu lugar prioritário. A busca pela intelectualidade passa pelo caminho seguro do Espírito Santo (1 João 2.20), orientando-nos, pessoalmente, à Eternidade e à revelação.

            Para produzir uma teologia pentecostal própria, os esforços do labor intelectual devem apresentar resultados com elocuções do próprio eixo doutrinário, visando atender as demandas e necessidades da sua comunidade eclesiástica. No entanto, o que tem sido percebido é a necessidade latente de se ter uma teologia que não resvale ou dependa de teólogos que são contrários ou não respeitam a tradição pentecostal. Portanto, precisamos gerar e nutrir conhecimento para uma teologia que supra, diretamente, as demandas do Movimento Pentecostal. Isso não quer dizer uma autoexclusão, ou um distanciamento desmedido de estudiosos de outras doutrinas, ou ainda, o afastamento de autores discordantes, mas, sim, ressaltar a necessidade de formar nossos próprios círculos intelectuais.

            O propósito aqui não é uma segregação doutrinária exclusivista e excludente. O que quero mostrar é que a utilização e interpretação errada de documentos e publicações de autores, que são de denominações diferentes da sua, pode gerar efeitos ulteriores equivocados. É fundamental distinguir, cuidadosamente, as divergências doutrinárias e qual doutrina cristã confessa o autor que você está lendo e baseando-se.

            O conhecimento de Deus está acima de qualquer denominação religiosa ou doutrinária, furtando-se de interesses escusos de teologias deturpadas e manipuladas. Ele é a fonte do verdadeiro conhecimento e sabedoria (Provérbios 2.6; I Reis 4.29; Tiago 1.5). Em suma, devemos crescer em conhecimento (Lucas 2.52), reconhecendo que não conhecemos tudo (I Coríntios 13.9; Deuteronômio 29.29), que conhecemos apenas o que é possível (Romanos 1.19), e que o conhecimento é um processo contínuo (Oseias 6.3).

Referências

BARRETT, J. L., LANMAN, J. A. The science of religious beliefs. Religion v.38, p.109-124, 2008.
CUNHA, A. G. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa, 4ed. revista pela nova ortografia. Rio de Janeiro: Lexicon, 744p., 2010.
FEE, G. D. Pablo, El Espíritu y El Pueblo de Dios. 1.ed. Miami: Editorial Vida, 2007. p. XXI, 2007.
GARRETT, J. K. Knowledge. In: D. BARRY, J. D. et al. (Orgs.), The Lexham Bible Dictionary. Bellingham, WA: Lexham Press, 2016.
MADDEN, D. The limitation of human knowledge: Faith and the empirical method in Jonh Wesley’s medical holism. History of European Ideas v.32, n.2, p.162-172, 2006.
SPERBER, D. Intuitive and reflective beliefs. Mind and Language v.12, p.67-83, 1997.

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