Certas pessoas tornam-se ícones (representações vivas de uma época, de uma ideologia, de uma arte, etc.). A biografia de Winston Churchill, por exemplo, evoca a sagacidade humana e o poder de resistência; já a história de Hitler, seu grande rival, lembra-nos quão manipulável pode tornar-se uma sociedade, mesmo a mais sofisticada. A efígie de Charlie Chaplin evoca a linguagem universal do cinema; a de Elon Musk, o frenesi tecnológico dos nossos dias. São muitos os exemplos.
Entretanto, somente alguns poucos seres humanos, estes bem mais raros, tornam-se ícones de princípios. Precisamente nesta categoria, o francês Jérôme Lejeune adentra, com méritos, neste seleto rol. A maioria de nós, todavia, talvez nunca tenha sequer ouvido o seu nome ou, menos ainda, tomado conhecimento de seus relevantes trabalhos, os quais aconteceram no campo da medicina genética humana.
No ano de 1959, este jovem médico, de apenas 33 anos, apresentou ao mundo sua mais famosa publicação científica. Nela, apresentava sua importante descoberta sobre a causa genética de uma síndrome descrita por outro médico, o inglês John Langdon Down, quase cem anos antes. O Dr. Jerôme Lejeune conseguira descobrir e explicar, de forma brilhante, a alteração genética conhecida como “Trissomia do 21”, mais popularmente conhecida como “síndrome de Down”.
Lejeune desvendou o fenômeno embrionário que acomete os indivíduos, ainda na fase embrionária, onde um cromossomo extra liga-se ao par 21, fazendo com que estas pessoas possuam 47 cromossomos, ao invés de 46, como a maior parte da população. Hoje, trata-se de conhecimento científico genético básico, ensinado nas escolas já aos adolescentes, na disciplina de biologia. Entretanto, à época, representou um salto qualitativo para as pesquisas do diagnóstico genético, base para os avanços científicos que perduram até hoje. Jérôme Jean Louis Marie Lejeune foi alçado, à época, ao celebrado e meritoso título de “pai da genética moderna”.
O Dr. Lejeune ganhou, como cientista, notoriedade, aplausos, prêmios e títulos. Todos, inegavelmente, bem merecidos, pelos seus muitos trabalhos e contribuições à ciência. Tornou-se membro de academias científicas na França, Suécia e Estados Unidos. Participou e presidiu comissões internacionais da ONU e OMS. Estava entre os grandes do mundo e viam pavimentada como certa sua cotação para o Prêmio Nobel.
Contudo, tudo mudaria a partir de 1970, quando, do alto do seu prestígio, precisou posicionar-se quanto a uma questão que dizia respeito diretamente à sua área de atuação. Como autoridade na área de embriologia genética, foi instado a marcar sua posição quanto ao projeto de lei do aborto eugênico. E foi neste crítico momento, que emergiu o espírito por trás do título. O chamado da fé cristã à obediência dos princípios divinos assentou-se irredutível. Declarou-se imediata e firmemente como antiabortista, posição da qual nunca arredou até o último dos seus dias.
Em resposta à sua coerência cristã e científica, o Dr. Lejeune recebeu críticas, deslouvores e perseguições. O que, para muitos, significou uma insensata derrocada, representou, na verdade, uma rara demonstração de fé, sensatez e prática cristãs.
No seu livro Poder Global e Religião Universal, o monsenhor Juan Claudio Sanahuja, afirma que “Os argumentos de Lejeune eram muitos claros: ‘não podemos ser cúmplices, o aborto é sempre um assassinato, quem está doente não merece a morte por isso e, mais ainda, longe de frear males maiores o aborto eugênico abre as portas para a liberalização total desse crime’. Sua postura lhe rendeu uma real perseguição eclesial que se juntou à perseguição civil, acentuada por sua defesa do nascituro nas Nações Unidas”.
Lejeune possuía profundas convicções científicas sobre um óvulo fecundado ser já um ser humano. Para ele, ali estava um indivíduo humano único, com um código genético exclusivo. Não existe uma fase “não-humana” para o óvulo pós-fecundação. Em suas próprias palavras:
“Se um óvulo fecundado não é, por si só, um ser humano, ele não poderia se tornar um, pois nada é acrescentado a ele”.
Devido a suas pétreas convicções e posicionamentos baseados em sólidos fundamentos, tornou-se crítico contundente das propostas de legalização da morte intrauterina planejada. O monsenhor Sanahuja também registra que, em 1970, ao participar de uma reunião na OMS, cujo objetivo era a justificativa da legalização do aborto para evitar abortos clandestinos, Lejeune teria proferido a corajosa frase:
“Eis aqui uma instituição de saúde que se tornou uma instituição para a morte”.
Nessa mesma tarde, teria ele escrito para sua esposa e filha, dizendo: “Hoje eu joguei fora o Prêmio Nobel”. De fato, este prêmio ele nunca recebeu.
- Morto precocemente, ainda aos 68 anos, vitimado por um câncer, em 3 de abril de 1994, deixou um vasto legado que ultrapassou o mundo científico. Hoje, 63 anos após sua maior descoberta, portadores da síndrome de Down gozam de melhor qualidade de vida e sua expectativa etária ampliou-se muito. Contudo, mais do que isso, a humanidade herdou de sua postura corajosa uma inspiração para não se deixar recuar pelo mal, mesmo diante das maiores pressões sociais ou perdas pessoais. Princípios não morrem.
Jerome Lejeune, hoje, injustamente, pode ser pouco conhecido entre as superficialidades do boicote informativo, mas seu exemplo torna-se eterno nos corações corajosos que buscam inspiração para as mais sábias e profundas decisões.
Que Deus nos ajude a ter a coragem de homens como Lejeune. Essa é uma época que exige de nós esse tipo de posicionamento!