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A pior de todas as decisões

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O que pode ser “o pior que existe?” Pessoas sábias repudiam o que é danoso, prejudicial, infamante. Isto é natural e de uma obviedade lógica evidente. Dentro da teologia cristã, e seguindo esta mesma perspectiva, existem termos sombrios que suscitam repulsa imediata. São palavras desagradáveis que comportam o peso nefasto de seus fortes significados. O que poderia ser mais tenebroso que menções ao pecado, à condenação eterna, à perdição? Neste rol, agregam-se significados trevosos, incômodos.

Porém, o que poderia ser “o pior de tudo”? Qual seria a palavra mais horrenda de toda a teologia cristã? O páreo é disputado e reúne palavras hediondas como: condenação, maldição, tentação, vergonha, crueldade. São vocábulos que degringolam em difíceis alusões até culminarem com o que parece ser a palavra campeã de todas as derrotas mais fragorosas: o inferno. Afinal, o que poderia ser mais cáustico e assombroso à mente humana? Contudo, pasme-se, existe, sim, uma palavra que traz em seu bojo semântico algo pior que o abismo eterno. Refiro-me aqui à abominável apostasia

Numa definição simples, apostasia significa a decisão voluntária de se renegar uma convicção anteriormente assumida. Na teologia cristã, trata-se do desprezo voluntário, decidido, deliberado, de rejeitar a fé salvífica em Cristo. O apóstolo Paulo refere-se à apostasia como um “naufrágio na fé” e chega mesmo a nomear dois cristãos apóstatas do seu tempo em 1 Timóteo 1.19-20: “Conservando a fé e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé. E entre esses foram Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar”. 

O indivíduo que comete apostasia é denominado de apóstata.  Apostatar da fé implica, necessariamente, em resolução livre e pensada. Ninguém apostata sob pressão. Em outras palavras, a fé de alguém não pode ser renunciada e morta pelo outro, mas somente pela própria pessoa. Não se está a afirmar, aqui, que inexista todo um sistema mundano que batalha contra a igreja do Senhor. Existem, sim, militantes agentes do maligno que, em odiosa atividade, laboram dia e noite pela desgraça alheia e pelo soçobro da fé dos crentes. É o que se depreende claramente em passagens como Mateus 24.12: “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará”; e em 1 Timóteo 4.1-2: “Mas o Espírito diz expressamente que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrina de demônios; pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência”. 

Isto posto, e, em resumo, temos que duas são as condições básicas para que se qualifique alguém como um apóstata cristão: a primeira delas é que esta pessoa tenha sido, um dia, alguém convicto de sua fé em Cristo. Alguém que nunca creu em Cristo nunca perdeu sua fé no Salvador, pois nunca possuiu tal fé. O incrédulo não é um apóstata. É incrédulo. Ninguém perde o que nunca teve e quem nunca teve, não sabe o que é perder. A segunda condição é a de que a apostasia tenha origem em decisão autônoma e independente. Desta forma, o apóstata somente o é por vontade própria, mesmo que tenha recebido toda influência má e sinistra. E são justamente estas duas características que lhe conferem a máxima gravidade e a tornam a pior de todas as decisões. 

A apostasia é o ápice da deformidade espiritual e é a declaração final de uma falência total. É pior que a heresia, porquanto o herege crê erroneamente e sua falha está em acreditar na distorção da verdade, enquanto o apóstata faz a opção tenaz de, conhecendo a verdade, distorcê-la fraudulentamente. A apostasia é o pior dos pecados, porque rejeita e blasfema contra o próprio Espírito Santo. O apóstata desmerece e despreza toda sublime ação e o trabalhar bendito da Terceira Pessoa da Trindade. O apóstata decai voluntariamente da Graça de Cristo e adentra resolutamente pelas veredas da desgraça. O apóstata opta, espontaneamente, pelo inferno bíblico, por mais absurdamente inominável que isto possa parecer. A apostasia leva à perda do último resquício de temor ao Senhor e à rebeldia definitiva. 

É impressionante que a apostasia cristã seja uma possibilidade, posto que é a desgraça das desgraças. Contudo, a triste realidade fática da vida não a esconde. Ela acontece. A igreja, portanto, deve abster-se de toda e qualquer prevaricação e precisa lutar, diuturna e conscientemente, contra a ameaça deste famigerado “câncer” espiritual. Para isto, deve atentar para os três aspectos fulcrais desta temática, como seguem:   

Primeiro, requer-se o límpido esclarecimento de que a apostasia é o culminar de um processo que, na maioria das vezes, inicia simples e quase despercebido. Para ilustrar, trazemos que existe uma teoria, mais difundida entre os acadêmicos da criminologia, que é conhecida como a Teoria das janelas Quebradas. Em despretensioso resumo, esta teoria afirma que, quando uma coisa está quebrada, a tendência é que as pessoas não cuidem e a desordem só aumente. Ou seja, pequenas desordens evoluem para crimes de cada vez maior escala. A sensação de impunidade fomenta a atividade criminosa. O erro, qualquer que tenha sido sua origem descuidada, se não tratado e combatido, será incrementado mais e mais no futuro. É o que se extrai de Hebreus 2.1: “Portanto, convém-nos atentar com mais diligência para as coisas que já temos ouvido, para que, em tempo algum, nos desviemos delas”. O que começa com uma simples “janela quebrada” (uma pequena concessão, uma mínima indignidade, um ínfimo desvio) poderá evoluir para o desastre máximo da abolição da fé.  Qualquer ponto de partida pode iniciar o processo, daí a necessidade da aplicação do antigo adágio cristão (mas sempre atual) de “fechar as brechas” para os ataques do maligno. Pontos vulneráveis devem ser tratados e nossas defesas fortalecidas. O que não faltam são as catapultas do inimigo a endereçar-nos os seus projéteis, as flechas incendiárias, os “dardos inflamados” de Efésios 6.16

O segundo aspecto a ser considerado é que a apostasia é enfermidade que pode acometer a igreja mais sólida. Ninguém acredite estar de tal maneira guarnecido que possa descuidar da constante vigilância. É o que aprendemos em 1 Coríntios 10.12: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia”. A única blindagem segura é o permanente estado de santificação e o contínuo crescimento na Graça e no Conhecimento de Deus. Neste ponto, necessário se faz atentar para a atuação nociva e lesiva dos falsos mestres. Estes perniciosos agentes do erro são os que promovem e fomentam a proclamação de falsas verdades. Aqui, estão abarcados todos os educadores e influenciadores, doutos ou não, cristãos ou não. Eles estão nos púlpitos, nas tribunas, nas cátedras, nas mídias, na vizinhança, ou mesmo dentro de casa, “ao pé do ouvido”. São ministros de falsas verdades que deturpam o entendimento. A carta de Judas alude à necessidade de se batalhar, apologeticamente, por esta preciosa fé “que uma vez foi dada aos antos”. A Obra de Deus requer proteção constante e sábia condução. O testemunho histórico é abundante em provas cabais. Quanto mais amadurecida em sua fé e prática, mais protegida a igreja é contra estes odiosos ataques. Entretanto, amadurecer exige um ônus que alguns não querem sofrer e outros não querem promover. Igrejas que promovem meros “crescimentos de bonsai” entre os seus membros estão fadadas ao assédio de falsas verdades e falsas doutrinas que nada mais são que o abandono da verdadeira fé (Hebreus 5.11-12). Nesse particular, agiganta-se a premente necessidade do ensino bíblico contínuo, solidamente embasado e eficaz biblicamente. A “Síndrome de Peter Pan” é definida pela psicologia como a recusa ao amadurecimento, por parte do adulto, que quer viver como uma criança. Tais posturas, além de ridículas, são altamente propícias para a ação dos envenenadores da apostasia. Em contrapartida, o crente em amadurecimento constante é cada vez mais blindado e resguardado das tóxicas atividades dos homicidas da fé.      

A terceira reflexão recai sobre a proposta fatalista de uma suposta predestinação oriunda da vontade de Deus. Este entendimento traz, necessariamente, a possibilidade de duas interpretações inconciliáveis, que podem ser resumidas na seguinte pergunta: “Poderia um verdadeiro cristão apostatar?”  Muitos que seguem a apreciação fatalista definem que um verdadeiro cristão nunca irá cair na apostasia. Segundo esta compreensão, não haveria senão a possibilidade de um desvio episódico, não duradouro, transitório, que culminaria, ao fim, com o retorno definitivo à comunhão irresistível com Deus. Para estes, a apostasia seria apenas para os crentes chamados nominais, aparentes. Contudo, os que não seguem o fatalismo entendem que a possibilidade da apostasia é real para todos os que chegaram ao conhecimento da Verdade. Perseverar na fé e “operar a salvação com temor e tremor” (Filipenses 2. 12) é mandamento para a Vida Eterna, sabendo que os perigos que nos circundam são muitos e perigosos. O inimigo referido em 1 Pedro 5.8-9 é o diabo, chamado “vosso adversário”. Ora, este adversário é o opositor da igreja de Cristo, de todos os crentes fieis. Este oponente rugidor é capaz de tragar, de destruir. Sua sanha tripartite é exatamente esta, além de matar e roubar. Ele, portanto, não visa somente aos cristãos aparentes, nominais e exteriores. Seu alvo principal foi e é a verdadeira igreja de Cristo. Amenizar estas condições é por demais arriscado e deveras inconsequente.

Ao concluir esta breve análise acerca de tão complexo tema, cumpre frisar o que a Palavra de Deus estabelece como “boa-nova”, ou “notícias de grande alegria”, a saber, que o convite ao arrependimento e à salvação foi dado a todos, mediante a Maravilhosa Graça de Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Deus é generoso para com todos, e não somente com alguns. As miríades de anjos, aos pastores de Belém, proclamaram a Maravilhosa “Boa vontade de Deus para com os homens” (Lucas 2.14). A Palavra do Senhor é lenitivo poderoso quando nos afirma, com autoridade apostólica, que “Onde abundou o pecado, superabundou a Graça” (Romanos 5.20). Cristo morreu por todos, para que os que vivem, não vivam correndo o risco de pôr tudo a perder, vivendo para si e ao sabor das mentiras de personagens néscios e fraudatórios, cheios de pecados. A Palavra de Deus é claríssima quando abertamente proclama que Deus “quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da Verdade” (1 Timóteo 2.4). A apostasia é a pior das decisões porque ela remove toda a esperança de conciliação. Para evitar a danação eterna e a ignorância atávica foi que o Senhor Jesus Cristo morreu e ressuscitou, imprimindo aos acusadores da humanidade a mais fragorosa derrota. 

Portanto, cabe a nós o abençoado mister de conduzirmo-nos incansáveis na Verdade que salva e liberta. Amparados pela ditosa Graça de Jesus e iluminação do Espírito Santo, busquemos cumprir, todos os dias, o que está escrito, na Maravilhosa síntese de Hebreus 3. 12-14: “Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo. Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado; Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim”.

É isto que o Espírito Santo imprime em nosso coração, e é esta a vitória que vence o mundo e a apostasia: a nossa fé (1 João 5.4b).

Esta é a melhor das decisões!

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