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Quem são os filhos de Deus no texto de Gênesis 6.1-4?

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Gênesis 6.1-7 NAA

1 Quando as pessoas começaram a se multiplicar sobre a face da terra e tiveram filhas,

2 os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram bonitas e tomaram para si mulheres, aquelas que, entre todas, mais lhes agradaram.

3 Então o Senhor disse: — O meu Espírito não agirá para sempre no ser humano, pois este é carnal; e os seus dias serão cento e vinte anos.

4 Naquele tempo havia gigantes na terra, e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Estes foram valentes, homens de renome, na antiguidade.

5 O Senhor viu que a maldade das pessoas havia se multiplicado na terra e que todo desígnio do coração delas era continuamente mau.

6 Então o Senhor ficou triste por haver feito o ser humano na terra, e isso lhe pesou no coração.

7 O Senhor disse: — Farei desaparecer da face da terra o ser humano que criei. Destruirei não apenas as pessoas, mas também os animais, os seres que rastejam e as aves dos céus; porque estou triste por havê-los feito.

A identidade dos ‘filhos de Deus’ em Gênesis 6 é um dos maiores mistérios da Bíblia. Teólogos ao longo dos séculos têm proposto diferentes explicações para essa passagem. Neste artigo, vamos explorar as principais interpretações e apresentar a que, segundo nossa análise, melhor se encaixa no contexto geral das Escrituras Sagradas.

1. Filhos de Deus são os anjos caídos

A primeira hipótese, amplamente difundida entre os judeus pré-cristãos e alguns pais da Igreja, identifica os ‘filhos de Deus’ como anjos caídos. De acordo com essa interpretação, atraídos pela beleza das mulheres, esses seres angélicos uniram-se a elas, gerando os nefilins, mencionados em Gênesis 6.4. 

De acordo com Steinmann (2019, p. 82), essa visão foi influenciada significativamente pelo Livro apócrifo de 1 Enoque e o livro dos Jubileus, bem como por estudiosos modernos, especialmente aqueles que acreditam que esse relato é baseado na mitologia do Antigo Oriente Próximo, embora tenha perdido força ao longo dos séculos, experimentou um renascimento de interesse a partir do século XIX e permanece objeto de debate nos dias atuais.

A designação ‘filhos de Deus’ é atribuída aos anjos em diversos textos do Antigo Testamento, como Jó 1.6, 2.1 e 38.7. Defensores dessa interpretação argumentam que passagens como 2 Pedro e Judas corroboram a ideia de que alguns anjos se envolveram em relações sexuais ilícitas, sendo por isso aprisionados nos abismos. No entanto, essa visão tem sido objeto de intensos debates entre os exegetas, e outras interpretações para o termo ‘filhos de Deus’ em Gênesis 6.4 têm sido propostas. 

A interpretação que identifica os ‘filhos de Deus’ em Gênesis 6 como anjos caídos apresenta diversas inconsistências. Em primeiro lugar, essa visão se baseia em grande parte no Livro de Enoque, um texto apócrifo que não faz parte do cânon bíblico. Em segundo lugar, enquanto os anjos fiéis são frequentemente chamados de ‘filhos de Deus’, não há evidência textual de que essa designação seja aplicada aos anjos caídos. Além disso, a Bíblia não contém relatos explícitos de relações sexuais entre anjos e humanos.

Jesus, familiarizado com os ensinamentos rabínicos da época, incluindo o Livro de Enoque, rejeitou a ideia de que os anjos se casam. Ao comparar a época do Dilúvio com os últimos dias, Jesus enfatiza a distinção entre a natureza humana, caracterizada pela capacidade de procriar, e a natureza angélica, que é assexuada (Mt 22.29-30; Mc 12.24-25; Lc 20.34-36). 

Outro ponto a considerar é que, se os ‘filhos de Deus’ fossem de fato anjos, a responsabilidade pela corrupção da humanidade recairia sobre eles, e não sobre os humanos. O texto bíblico, no entanto, atribui a culpa à humanidade, que se deixou corromper. A decisão de Deus de enviar o Dilúvio foi uma resposta ao pecado dos homens, e não aos atos dos anjos. Em suma, a interpretação que associa os ‘filhos de Deus’ a anjos caídos encontra dificuldades em conciliar diversos elementos do texto bíblico e da tradição cristã.

2. Filhos de Deus são os descendentes de Sete, são os piedosos

A segunda hipótese identifica os ‘filhos de Deus’ como descendentes de Sete, linhagem conhecida por sua piedade. Segundo essa perspectiva, atraídos pela beleza das ‘filhas dos homens’ (descendentes de Caim), esses homens contraíram casamentos mistos, uma prática condenada em diversas passagens bíblicas.

Essa interpretação ganhou destaque entre importantes teólogos, como Crisóstomo e Agostinho, e foi posteriormente defendida por reformadores como Lutero e Calvino. A ideia central é que a mistura entre os fiéis e os infiéis levou a uma corrupção moral generalizada, culminando no Dilúvio.

O termo hebraico ʾĚlōhîm pode ser traduzido como um genitivo de qualidade, significando “filhos piedosos”, referindo-se à herança dos descendentes de Sete (setistas). Observamos que a expressão ‘filhos de Deus’ (bĕnê hāʾĕlōhîm) possui análogos que apontam para referentes humanos. Também importante é o peso do testemunho do Pentateuco, que identifica os israelitas como filhos de Deus (Dt 14.1; 32.5-6; Êx 4.22; Sl 73.15; 80.15); isso ressoa bem em tomar os “filhos de Deus” em Gênesis 6.2 como uma alusão à descendência piedosa (Is 43.6; Os 1.10; 11.1; Jo 1.12-13). 

É importante notar que a expressão ‘filhos de Deus’ adquire um novo significado no Novo Testamento, referindo-se aos crentes em Cristo. No Antigo Testamento, embora possa ter conotações mais amplas, a ideia de uma aliança especial com Deus é frequentemente associada a essa expressão.

O casamento misto, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, é apresentado como uma ameaça à fé e à pureza. As esposas infiéis poderiam exercer uma influência negativa sobre seus maridos e filhos, levando à apostasia e à corrupção moral.

Em resumo, essa interpretação apresenta uma visão coerente com o contexto bíblico, enfatizando a importância da pureza doutrinária e a necessidade de evitar as influências corruptoras do mundo.

O texto de Gênesis 6 não afirma que os nefilins são resultados dos casamentos mistos, mas que havia gigantes naquela terra. 

Naquele tempo havia gigantes na terra, e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Estes foram valentes, homens de renome, na antiguidade (Gênesis 6.4). 

Os filhos dos casamentos mistos foram valentes, homens de renome. De acordo com o texto bíblico, havia gigantes, antes do dilúvio. No dilúvio, sobreviveram apenas Noé e sua família. No entanto, na narrativa bíblica posterior ao dilúvio, há relatos de que haviam gigantes na conquista de Canaã (Nm 13.22,33; Dt 1.19), Josué derrotou gigantes (Js 11.21; 14.15), Davi derrotou Golias (1 Sm 17), entre outros. Portanto, a existência de homens gigantes é um tema natural e recorrente nas Escrituras Sagradas. 

Para Neves (2014, p. 52), a palavra “gigantes” vem do hebraico “nefilins”, que significa “pessoas de grande porte e força”. A expressão carrega também o sentido de “caídos”, fazendo-nos entender que mesmo que fossem considerados os heróis da antiguidade, conforme Números 13.31-33, para Deus eram pecadores caídos, prontos para a condenação por seus atos pecaminosos.

3. Os Filhos de Deus são juízes ou governantes humanos (aristocratas)

Conforme Mathews (1996, p. 328), uma corrente interpretativa judaica compreende os ‘filhos de Deus’ como magistrados ou governantes humanos (aristocratas). O termo hebraico ʾĕlōhîm possui um espectro semântico mais amplo do que os habituais “Deus” e “divino”. Há sólido embasamento para interpretar ʾĕlōhîm como “juízes” humanos no Antigo Testamento. O Salmo 82.1, 6-7, por exemplo, refere-se a governantes humanos como ʾĕlōhîm (82.6a) e, crucialmente, o paralelismo em 82.6b os denomina “filhos do Altíssimo” (bĕnê ʿelyôn), uma descrição análoga a bĕnê hāʾĕlōhîm em Gênesis 6.2. Assim como em Gênesis 6.3, o salmista sublinha a mortalidade desses juízes, apesar de sua posição elevada. Sob essa perspectiva, os Nefilins (v. 4) não são os descendentes desses casamentos, mas sim seus contemporâneos.

Uma variante dessa visão interpreta ‘filhos de Deus’ (bĕnê hāʾĕlōhîm) como uma classe de guerreiros polígamos ou reis despóticos que adquiriram grandes haréns reais por coerção. Eles geraram os “Nephilim” e “os heróis do passado” (i.e., “gibborim” 6.4) que eram famosos por sua tirania cruel. ‘Filhos de Deus’, nesta visão, reflete a antiga concepção do Oriente sobre a realeza sagrada em que os monarcas eram considerados divindades ou filhos divinos que governavam em nome dos deuses. No mito ugarítico do rei Keret, por exemplo, Keret é identificado como ‘o filho de El’. Como afirmado anteriormente, a tradição hebraica também entendia que o governo divino era executado por magistrados (humanos) nomeados. Relacionado a isso está o tema bíblico da ‘filiação’ real na teologia davídica (2 Sm 7.13-16; Sl 2.7; 89.27). Assim, afirma-se que ‘filhos de Deus’ (bĕnê hāʾĕlōhîm) é melhor traduzido como “os filhos dos deuses”, uma referência aos reis antediluvianos que os antigos acreditavam serem divinos.

Os textos de 2 Pedro 2.4 e Judas 1.6 tem alguma correlação com o episódio de Gênesis 6?

Judas usou três exemplos do passado, para mostrar como Deus julgou os apóstatas, os soberbos e os imorais.

Embora vocês já tenham conhecimento de tudo isso, quero lembrar-lhes que o Senhor libertou um povo do Egito mas, posteriormente, destruiu os que não creram. E aos anjos que não conservaram suas posições de autoridade mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia. De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo (Judas 1.5-7).

Em primeiro lugar, Judas fala sobre os hebreus que morreram no deserto pela sua incredulidade e abandono da fé. Em segundo lugar, cita os anjos que rebelaram-se contra Deus, sendo soberbos, e, por isso, foram julgados. E, em terceiro lugar, é citada a imoralidade sexual de Sodoma e Gomorra, principalmente o homossexualismo. Dessa forma, Judas resume que todos esses casos servem de exemplo para a condenação que virá sobre os falsos mestres que ensinam e induzem outras pessoas a pecar contra Deus. 

O texto de Judas e 2 Pedro falam sobre três exemplos distintos para descrever as ações dos falsos mestres. O texto não liga a imoralidade sexual de Sodoma e Gomorra aos “anjos que não conservaram suas posições de autoridade mas abandraram sua própria morada”. São três exemplos e não um interconectado. 

Conclusão

De acordo com Waltke (2010, p. 139), a emblemática expressão ‘filhos de Deus’ em Gênesis 6 tem sido interpretada de diversas formas, incluindo como referência a anjos, à geração piedosa de Sete (setitas) ou a uma dinastia de governantes ou aristocratas. Gramaticalmente, todas essas interpretações encontram algum suporte no texto hebraico. No entanto, a interpretação cristã tradicional, que remonta ao terceiro século e foi posteriormente defendida por reformadores como Lutero e Calvino, identifica os ‘filhos de Deus’ com a descendência de Sete, o filho de Adão que perpetuou a linhagem fiel a Deus. As ‘filhas dos homens’ seriam, por sua vez, descendentes de Caim, cuja linhagem se desviou do caminho divino. A união entre essas duas linhagens é vista como o ponto de partida para a crescente corrupção da humanidade, culminando no Dilúvio. Essa interpretação, enraizada no contexto geral das Escrituras enfatiza a queda do homem e a necessidade da redenção. Portanto, essa é a visão que nós defendemos como sendo a mais adequada. 

REFERÊNCIAS

MATHEWS, K.A. Gênesis. Editora Broadman & Holman, 1996. 

NEVES, I. Comentário Bíblico de Gênesis: Através da Bíblia. Rádio Transmundial, 2014. 

SKINNER, J. A critical and exegetical commentary on Genesis. Scribner, 1910. 

STEINMANN, A. E. Genesis: An Introduction and Commentary. Imprensa Inter-Varsity, 2019. 

WALTKE, B. K.; FREDERICKS, C. J. Gênesis. Editora Cultura Cristã, 2010. 

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