“Fazei isto em memória de mim…” – O Advento natalício de Jesus além dos limites da religião cristã
Sabe-se que no calendário ocidental, de certo modo, foram preservadas muitas datas de especial importância para a sedimentação do cristianismo em nossa cultura. É verdade que o jeito de celebrar cada data cristã ainda está longe de corresponder à forma como a tradição da igreja um dia intentou, mas, fato é que milhões de famílias no Brasil ao menos sabem a razão de determinados hábitos; músicas; climas; comidas e cores, que marcam uma celebração religiosa. Corretamente observado ou não, no Natal, recorda-se indiretamente um dito medular do cristianismo: “Fazei isto em memória de mim!” (1Co 11.26).
Em se tratando de uma recordação (não qualquer), o Natal, obviamente, traz-nos à memória o Dia do Advento, quer dizer, à noite em que Deus trouxe luz ao mundo, pois conforme diz o anjo: “… nasceu-vos hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11). O verbo “nascer” foi bastante instrumentalizado por célebres teólogos da igreja antiga, e serviu, portanto, de produção de sermão em épocas natalícias. É muito conhecida a frase atribuída a Orígenes e posteriormente reproduzida por Agostinho: “O que me aproveita que Cristo tenha nascido uma vez em Belém se não nascer pela fé em meu coração”. Os sermões natalícios eram, portanto, remetidos à vida relacional do cristão, sem grandes ênfases do seu impacto no mundo externo, externo inclusive aos limites da igreja.
Neste breve artigo, intentei demarcar aspectos teológicos para além dos limites da religião cristã, reforçando, assim, a universalidade do nascimento do salvador, reavaliando as narrativas da natividade de Jesus sob o olhar dos evangelistas Mateus e Lucas, com objetivo único de tornar popular – tal como as comemorações – povo brasileiro. Destacamos quatro aspectos que merecem nossa observação:
1) Os pastores de Belém foram os primeiros a ver o menino Jesus: Lucas 2:8-20
Instantes após Jesus vir a este mundo, José a Maria, ainda no estábulo, recebem a visita de alguns pastores, os quais vigiavam o rebanho no meio da noite. De repente, um anjo do Senhor apareceu-lhes, dando-lhes a notícia do nascimento do Salvador. Em seguida, apareceu-lhes uma multidão de anjos em coral louvando a Deus. Caiu o temor sobre os pastores e logo após contemplarem tal visão foram em direção à manjedoura.
Acontece que os pastores representavam uma classe totalmente desprivilegiada e é justamente para esta classe que o nascimento de Jesus torna-se a “Boa Nova”. Sabe-se que a profissão do em Israel pastor era “suja”, causando impedimentos rituais no tocante à prática da Lei de Moisés. Além disso, os pastores eram ladrões, pois tinham expertise de comunicar-se com ovelhas e aproveitavam-se disso para atraí-las e roubá-las. Daí a má fama que um pastor em Israel tinha naquele tempo.
2) Os magos do Oriente, seguindo a estrela encontram Jesus (Mt 2.1-12)
O nascimento de Jesus mostra-nos que todas as religiões podem levam a Cristo e ao cristianismo. Isso mesmo! Os magos do Oriente eram religiosos (da religião persa), e ao colocarem-se a caminho da estrela chegaram até Cristo. Acredito que o cristianismo é uma religião singular, então, todas – repito, todas as religiões, quando bem estudadas, encaminham o sujeito a Cristo. O cristianismo é a religião de maior contraste às demais. Por exemplo, somente no cristianismo vê-se Deus vindo em direção ao homem, dando a este os meios para conhecê-lo. Na ciência das religiões muito é dito que o indivíduo em si é que primeiro deve tornar-se agradável à divindade. No cristianismo, ao contrário, tem-se um Deus bom, que vem ao encontro do homem quando este sequer conhece seus atributos.
Ademais, prova-nos que há sintonia entre Cristo e o Cosmo. A estrela guiou os magos até o lugar onde estava Jesus.
Deve-se reforçar, além disso, o interesse dos pagãos pelo conhecimento do que é verdadeiro e justamente por isso seu constante busca pode levá-los a Jesus: a verdade de Deus para o mundo.
3) O nascimento do menino Jesus perturba Herodes (Mt 2.3-12)
O nascimento de Jesus estremece o governo de Herodes. Herodes era visto como vassalo e explorador. Este temeu ao saber que Jesus havia entrado em nosso mundo. O nascimento de Jesus, então, desestabiliza tronos de poder hostil à justiça. Os “Herodes” de hoje devem mesmo se preocupar, pois será Cristo o maior e mais justo governante do planeta.
Os governantes que desequilibraram a sociedade, promovendo injustiças, têm nesses dias natalícios oportunidades de praticarem a justiça e retidão definitivamente para com os homens. Herodes temia perder o poder e por isso intentou matar o menino, o menino, porém, sobreviveu, o que é prova concreta que a justiça do injustiçado mediante o descaso do poder público dá-se como certa e no Natal esse tema tem seu espaço.
4) Deus que salva o mesmo em nosso mundo (Lc 2.14)
O nascimento de Jesus é uma prova que Deus deseja estar conosco. Deseja fazer parte do nosso mundo, bem porque o nosso mundo é dele! Quer dizer, “Cristo conosco” é motivo de “paz na terra” – como bem entoaram os anjos (Lc 2.14). Outra coisa. Cristo veio ao nosso mundo como uma criança indefesa. Não quer, então, que tenhamos medo dele. E ainda, mostra-nos que Deus deseja ser “cuidado” pelos humanos. Não em uma relação de dependência, mas sim numa relação de Pai que deseja ver e sentir o cuidado do filho. Deus se fez filho, para que, na vivência conosco, se fizesse merecedor (pelos seus méritos e não por imposição) do nosso amor por ele.
Por fim, a existência de Cristo , é a notícia da salvação do mundo, salvação essa que acontece justamente pela vinda de Cristo aqui. Ou seja, nosso mundo é salvo quando fazemos dele o lugar da habitação de Cristo. Deus poderia salvar o mundo estando no céu, mas decidiu salvar o mundo na terra. De fato, somente desta forma nosso mundo pode ser melhor: quando Deus fizer aqui sua eterna morada tal como se expressa no nascimento do seu Filho Jesus.
Que os homens tragam isto à memória e ao seus testemunhos, nesse ano que abre as portas!