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Eclesiastes: reflexões sobre a busca por significado em um mundo de vaidades

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Elementos introdutórios e objetivo

O livro de Eclesiastes é uma obra de grande profundidade e complexidade, atribuída ao rei Salomão, embora sua autoria e data de composição sejam temas de debate entre estudiosos. A tradição talmúdica sugere que Salomão tenha escrito o texto, possivelmente editado por escribas na época do rei Ezequias. Independentemente dessas questões, o que se destaca em Eclesiastes é o seu conteúdo sapiencial, que reflete uma busca intensa pelo significado da vida em meio às suas inquietudes e aparentes absurdos. Acredita-se que o livro reflete um momento de desespero na vida de Salomão, quando, afastado de Deus, ele reconhece a futilidade de sua sabedoria e riquezas, concluindo que apenas através do conhecimento e obediência a Deus é possível alcançar uma vida verdadeiramente significativa. Essa perspectiva, proveniente de um homem que possuía recursos mentais, materiais e políticos inigualáveis, confere a Eclesiastes uma visão singular sobre as questões mais fundamentais da existência humana.

Este livro aborda questões profundas sobre o significado da vida, a sabedoria e a natureza da existência humana. O termo “Eclesiastes” deriva da palavra grega “ekklesiastes”, que significa “pregador” ou “orador”, refletindo o papel do personagem central, “Qohelet”, em seu esforço para compartilhar sua compreensão da vida. 

A etimologia do termo “Qohelet” é frequentemente associada à raiz hebraica “qahal” (קָהָל), que significa “reunir” ou “congregar.” Essa conexão etimológica sugere que “Qohelet” pode ser interpretado como “aquele que convoca” ou “aquele que reúne,” implicando um papel de orador ou líder que se dirige a uma audiência. A raiz “qahal” é utilizada em diversos contextos na Bíblia Hebraica, frequentemente referindo-se à assembleia do povo, como em “qahal Yisrael,” que significa “assembleia de Israel.” Este uso reforça a ideia de um grupo reunido para um propósito comum, muitas vezes em um contexto religioso ou comunitário. Assim, a escolha do nome “Qohelet” para o autor do Eclesiastes pode ser vista como uma indicação de sua função como um sábio que compartilha reflexões e ensinamentos com a comunidade.

A figura de “Qohelet” como orador é central para a interpretação do texto. Ele não apenas relata suas observações pessoais, mas também se coloca em uma posição de autoridade, como alguém que tem o dever de transmitir sabedoria. A repetição de frases como “vaidade das vaidades” e a utilização de perguntas retóricas indicam um diálogo com a audiência, convidando os ouvintes a refletirem sobre as questões apresentadas.

Neste contexto, Eclesiastes se destaca como uma meditação sobre a futilidade e a brevidade da vida, frequentemente resumida na expressão “Tudo é vaidade” (1:2). O objetivo deste ensaio expositivo é explorar as circunstâncias e o propósito do livro de Eclesiastes, além de examinar sua estrutura e gênero literário, com ênfase nas implicações teológicas e práticas.

Lingotes de prata ajuntados em Em-Gedi, séc. VIII-VII a.C. O escritor de Eclesiastes ajuntou “prata e ouro”, mas tudo foi “inútil”para ele (2:8,11). Todd Bolen; www.bibleplaces.com, pintura do Museu de Israel

Circunstância e propósito

Eclesiastes é um exemplo notável de um livro que aborda a luta humana para encontrar sentido em um mundo que muitas vezes parece sem sentido. O “pregador”, ou “Qohelet”, reflete sobre sua própria experiência de vida com uma honestidade desconcertante, desafiando tanto ele quanto seus leitores a confrontarem as questões mais profundas da existência. O livro proporcionou grande conforto e orientação àqueles que, em meio às dificuldades, buscavam um sentido maior para suas vidas.

Em Eclesiastes 12:9, o “pregador” é descrito como alguém que ensinava a sabedoria com diligência, comparável à descrição de Jó 42:7, onde Deus afirma que Jó falou a verdade sobre Ele. Essa honestidade do “pregador” em enfrentar a realidade da vida sem adornos ou ilusões valida a luta de muitos crentes que, ao longo dos tempos, têm buscado respostas para as questões existenciais mais perturbadoras. Eclesiastes se destaca por seu realismo e pela maneira como ele apresenta a busca por sabedoria e significado em um mundo aparentemente indiferente.

Gênero e estrutura

Eclesiastes pertence ao gênero da literatura sapiencial, mas se diferencia de outros livros como Provérbios pela sua abordagem introspectiva e autobiográfica, mais próxima do estilo encontrado em Jó. O narrador introduz o “pregador” ao leitor (1:1), que então assume a narração e começa sua reflexão sobre a vida e a busca por sabedoria (1:2-3). A estrutura do livro é orgânica, não seguindo uma lógica estrita, mas refletindo a própria jornada de reflexão do “pregador”.

A primeira seção do livro (1:4-11) inclui um poema que evoca a transitoriedade da vida e o ciclo interminável da natureza, enfatizando a futilidade dos esforços humanos para encontrar um sentido duradouro. A partir de 1:12-18, o “pregador” explica sua busca por sabedoria, reconhecendo a vaidade dessa busca quando realizada de forma autônoma, sem referência a Deus. A narrativa prossegue com uma análise dos prazeres, do trabalho e da sabedoria, todos considerados insuficientes para conferir significado à vida por si mesmos.

Com exceção de 7:27, onde o narrador interrompe brevemente a narração principal, a voz do “pregador” domina o texto até o epílogo (12:8-14), onde o narrador retorna para concluir o livro. A repetição da expressão “Tudo é vaidade” (1:2 e 12:8) serve como uma moldura que encapsula o tema central da obra, alertando o leitor para a natureza efêmera e enigmática da vida.

Desafios relevantes e particulares

Um dos desafios mais notáveis em Eclesiastes é a ausência do nome “Senhor” em referência ao Deus da aliança, uma característica que distingue o livro de outros textos do AT. No entanto, o livro expressa uma profunda convicção na criação, na lei e na sabedoria, temas centrais na tradição bíblica. A tensão entre a análise da vida feita pelo “pregador”, baseada em sua experiência, razão e observação, e a afirmação positiva da vida nas passagens que se referem à alegria, reflete a luta do “pregador” para reconciliar sua compreensão humana com a realidade divina.

O ceticismo do “pregador” é evidente em suas indagações sobre o valor do trabalho e dos esforços humanos (1:3). A maneira autônoma e centrada no ser humano que o “pregador” adota para examinar o significado da vida é um reflexo da ausência divina, revelando tanto sua profundidade quanto suas limitações humanas diante de Deus.

Outro desafio presente em Eclesiastes é a tradução e a correta interpretação da palavra hebraica “hěbēl”, frequentemente traduzida como “sem sentido” (por exemplo, em 1:2, 14; 2:1, 11, 15, 17, 19, 21, 23, 26). “Hěbēl” expressa a angústia do “pregador” em sua busca pelo significado da vida, mas não deve ser vista como uma conclusão definitiva. Uma expressão semelhante em Eclesiastes é “correr atrás do vento” (por exemplo, em 1:14, 17; 2:11, 17, 26), que nos ajuda a entender o que o “pregador” pretende ao usar a expressão “sem sentido”. Não é que a vida careça de significado; ao contrário, se existe algum significado, o “pregador” simplesmente não consegue compreendê-lo — assim como não consegue entender o vento. A vida, portanto, é profundamente enigmática.

Pintura de parede de uma festa para Nebamun, que descreve pessoas usando roupas finas, com óleo e incenso sobre a cabeça (Ec 9:8). Bakker Publishing Group e Dr. James C. Martin, exposta no Museu Britânico.

Orientação do livro

Para entender como a solução chega ao “pregador”, é essencial acompanhar sua jornada de reflexão. A solução emerge de duas direções principais: a primeira, um crescente reconhecimento de que o método autônomo de conhecimento, baseado na própria experiência e razão do “pregador”, não leva à sabedoria, mas sim à insensatez. Isso é evidenciado em passagens como 5:1-7, onde o “pregador” exorta o leitor a se aproximar do templo com cuidado para ouvir a instrução de Deus, concluindo com a exortação a temer a Deus, ecoando a sabedoria de Provérbios: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 9:10). A segunda direção é a indicação de uma maneira melhor de adquirir conhecimento, expressa em 11:7: “A luz é agradável, é bom ver o sol”, que sugere que a esperança e a solução são possíveis. As exortações para se alegrar e lembrar (“Lembre-se do seu Criador” – 12:1) implicam que a perspectiva da vida deve ser informada pela visão de que Deus é o Criador de tudo.

No desenlace, o “pregador” percebe que a resposta às suas perplexidades não se encontra em um método autônomo e centrado no “eu”, mas sim no reconhecimento de Deus como Criador e sustentador de todas as coisas. Mesmo que a vida continue a apresentar desafios, Eclesiastes coloca a questão para o crente: “Como você resolve a tensão entre o ensino de que a vida tem significado e a observação de que muitas vezes a vida parece não ter sentido?”

Conclusão e demais reflexões

Sob a perspectiva de uma cosmovisão pentecostal, o livro de Eclesiastes emerge como um convite à introspecção espiritual e à busca de uma vida moldada pela direção e poder do Espírito Santo. Eclesiastes nos confronta com os paradoxos da existência humana, que, à luz de uma visão meramente terrena, pode parecer vazia e desprovida de significado. A experiência de Salomão, narrada com profundidade nas páginas deste livro, evidencia a desilusão e o vazio resultantes de uma vida desconectada de Deus, mesmo quando repleta de sabedoria e prosperidade material. Contudo, a mensagem central de Eclesiastes transcende o mero desespero: ela aponta para a realidade de que o verdadeiro sentido da vida é descoberto no relacionamento íntimo e contínuo com o Criador, uma relação que, na tradição pentecostal, é vivificada e sustentada pelo Espírito Santo.

A verdadeira sabedoria, segundo o “pregador” de Eclesiastes, não reside na busca autônoma e individualista, mas na submissão à vontade divina, um princípio que encontra eco profundo na teologia pentecostal, que valoriza a rendição completa ao Espírito de Deus. Na prática de uma vida cheia do Espírito, como enfatizado na prática de fé pentecostal, a busca pelo significado da existência ultrapassa as limitações impostas pelo materialismo e pelo racionalismo humano, encontrando sua realização plena na comunhão com o Eterno. A aplicação dos ensinamentos deste livro na vida contemporânea nos desafia a transcender as limitações do mundano, alinhando nossos anseios e ações com os princípios eternos do Reino de Deus. Em última análise, Eclesiastes nos instrui que é na dependência divina que encontramos o propósito verdadeiro, a paz duradoura e a sabedoria que só podem ser concedidos por Deus.

Portanto, o livro de Eclesiastes desafia o leitor a refletir sobre a natureza paradoxal da vida. Embora pareça muitas vezes sem sentido, especialmente quando vista através de uma lente puramente humana, Eclesiastes nos lembra que há um significado mais profundo e duradouro, encontrado somente em Deus.

Sugestão de esboço

  1. Nada tem sentido (1:1-11)
  2. Apresentação do eixo temático do livro (1:2)
  3. A questão programática (1:3)
  4. Um poema sobre o enigma da vida (1:4-11)
  • A sabedoria não tem sentido (1:12-18)
  • Os prazeres não têm sentido (2:1-11)
  • A sabedoria e a insensatez (2:12-16)
  • O trabalho árduo é inútil (2:17-26)
  • O temor devido a Deus (5:1-7)
  • As riquezas não dão sentido à vida (6:1-12)
  • A sabedoria (7:1-29)
  • A obediência devida ao rei (8:1-17)
  1. O destino de todos (9:1-12)
  1. O valor da sabedoria (9:13-10:20)
  1. Sábios conselhos (11:1-6)
  1. Conselhos para os jovens (11:7-12:7)
  1. Conclusão (12:8-14)

Oração

Senhor Deus, Criador de tudo, reconheço que muitas vezes a vida parece um enigma, cheia de incertezas e desafios. Assim como o “pregador” em Eclesiastes, busco sentido e propósito em minhas jornadas diárias. Conceda-me a sabedoria para ver além das futilidades deste mundo e para encontrar em Ti o verdadeiro significado de minha vida. Ajuda-me a lembrar que, apesar das aparências, tudo o que fazemos sob o sol tem valor quando feito em reverência a Ti. Que eu possa sempre me alegrar em Tua criação e manter meu coração voltado para Ti, sabendo que só em Ti encontro a verdadeira satisfação e paz. Em nome de Jesus eu oro. Amém e amém.

Principais bibliografias consultadas

Melo, Joel Leitão de. Eclesiastes: Versículo Por Versículo. CPAD, 1991.

Campos, Haroldo de. Qohélet, O-que-sabe: Eclesiastes, poema sapiencial. Perspectiva, 1991.

Lange, Samuel. The Wisdom of Solomon and Plato. Journal of Biblical Literature, v. 55, n. 4, 1936.

Torres, Marcella L. A influência do conceito de felicidade da poesia arcaica grega na literatura sapiencial judaica após o cativeiro babilônico. Nuntius Antiquus, vol. 14, no. 1, 2018, pp. 57-85.

Fox, Michael V. A Time to Tear Down and a Time to Build Up: A Rereading of Ecclesiastes. Eerdmans, 1999.

Crenshaw, James L. Ecclesiastes: A Commentary. Westminster John Knox Press, 1987.

Longman, Tremper III. The Book of Ecclesiastes. Eerdmans, 1998.

Coats, George W. Ecclesiastes: The Old Testament Library. Westminster John Knox Press, 1988.

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