Recentemente, o método narratológico tem sido aplicado ao Apocalipse, levando à análise deste como uma obra literária ou um drama, comparável a uma peça teatral. Essa abordagem sugere que a obra pode ser lida e interpretada como uma peça de teatro, o que facilita a compreensão e a imaginação do leitor, servindo como um guia de leitura.
Nessa perspectiva, elementos como o espaço cênico, o tempo, o papel do narrador, a análise dos personagens e a focalização são considerados ao dividir o texto em partes. Interpretar o Apocalipse como uma obra teatral ou até mesmo cinematográfica pode ajudar os leitores contemporâneos, que muitas vezes
estão mais familiarizados com imagens do que com a leitura ou audição tradicionais.
Antes da abertura da cortina (1,1-8),o drama começa com uma apresentação do livro. O título é anunciado (Apocalipse de Jesus Cristo), os destinatários (leitores e ouvintes) são apresentados e o autor da obra (João) é revelado.
Primeiro cenário:
As sete cartas (1,9 – 3,22) João, o narrador, escreve que está exilado em Patmos por causa da Palavra do Senhor. No domingo, o dia do Senhor, ele tem uma visão (1,9-20). O ator principal, Jesus Cristo, aparece
vestido com um longo manto, como um sacerdote, cingido com uma faixa dourada, como um rei, e com cabelos brancos, como Deus. O Filho do Homem segura em sua mão sete estrelas – sete indicando perfeição ou completude – e de sua boca sai uma espada de dois gumes, a Palavra de Deus. Jesus Cristo
pede a João que escreva às 7 igrejas da Ásia: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia. Todas as sete cartas seguem um esboço comum: nome da igreja, anúncio de que é o próprio Cristo quem envia a carta, exame dos títulos principais (com elogios e admoestações) e a promessa do bem futuro
àqueles que permanecerem fiéis.
Segundo cenário:
Os sete selos (4,1 – 8,1). Em uma segunda visão (4,1-11), que tem como cenário o tribunal celestial, Deus é visto em seu trono, cercado por 24 anciãos (representando a união das 12 tribos de Israel com os 12 Apóstolos).
Em seguida, aparecem os “quatro seres vivos” (que em Ezequiel simbolizam toda a criação e que serão depois associados aos quatro evangelistas) cantando o “santo, santo, santo” de Isaías.
Essa interpretação, na qual os 24 anciãos representam a união das 12 tribos de Israel com os 12 apóstolos, é uma das interpretações comuns encontradas na tradição cristológica. No entanto, existem outras interpretações sugeridas pelos Pais da Igreja e por estudiosos ao longo dos séculos.
- Representação da Igreja:
Alguns dos Pais da Igreja interpretaram os 24 anciãos como representações simbólicas da Igreja, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Nessa interpretação, os 12 anciãos representam as 12 tribos de
Israel, enquanto os outros 12 representam os apóstolos e, assim, simbolizam a totalidade do povo de Deus redimido por Cristo.
- Representação dos Mártires:
Outra interpretação proposta é que os 24 anciãos representam os mártires da fé, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Essa interpretação destaca a ideia de que aqueles que sofreram e morreram por causa de sua fé em Deus e em Cristo são honrados e participam da adoração celestial diante do trono de Deus.
- Representação dos Anjos:
Alguns estudiosos sugeriram que os 24 anciãos poderiam representar uma ordem celestial de anjos ou seres angelicais que estão presentes diante do trono de Deus, adorando e servindo-o continuamente.
- Representação da Realeza e Sacerdócio:
Outra interpretação propõe que os 24 anciãos simbolizam tanto a realeza quanto o sacerdócio, representando assim a totalidade do governo e da adoração divina. Nessa, os anciãos são vistos como líderes e representantes do povo de Deus diante de seu trono.
O livro dos sete selos, que somente o Cordeiro pode abrir, pode representar o Antigo Testamento (6,1-17), cujo verdadeiro significado permanece inacessível até a vinda de Cristo; Essa interpretação específica sobre o livro dos sete selos como representado no Antigo Testamento e sendo aberto somente pelo Cordeiro (Cristo) é uma leitura teológica interessante. Ela sugere que o Antigo Testamento contém uma revelação profunda que só é plenamente compreendida à luz da vinda de Cristo e de seu papel redentor.
De acordo com essa interpretação, os selos que cobrem o livro simbolizariam o mistério e a incompletude da compreensão do Antigo Testamento antes da vinda de Cristo. Somente Ele, como o Cordeiro de Deus, tem o poder e a autoridade para abrir esses selos, revelando assim o verdadeiro significado e cumprimento
das profecias e ensinamentos contidos no Antigo Testamento.
Essa interpretação ressalta a centralidade de Cristo na compreensão da Escritura e na revelação divina, destacando como ele é o cumprimento e a chave para entender não apenas o Novo Testamento, mas também as Escrituras judaicas do Antigo Testamento.
É importante observar que essa interpretação não é a única possível, e diferentes tradições teológicas e estudiosos podem ter abordagens diversas para entender o simbolismo dos sete selos e seu significado no contexto do livro do Apocalipse.
Outras as interpretações teológicas sobre o livro dos sete selos no Apocalipse são diversas e refletem diferentes perspectivas hermenêuticas e teológicas.
Duas das interpretações principais incluem:
Interpretação da Grande Tribulação:
Nesta abordagem, os sete selos são vistos como uma descrição simbólica do período da grande tribulação, que representa eventos escatológicos associados ao fim dos tempos. Cada selo é interpretado como representando uma fase específica desse período, que pode incluir perseguições aos mártires e eventos catastróficos.
Essa interpretação enfatiza a visão escatológica do Apocalipse e sua relevância para entender o destino final da humanidade.
Interpretação da Era da Igreja:
Por outro lado, alguns estudiosos interpretam os sete selos como representativos de toda a era da Igreja, desde a ascensão de Cristo até a sua segunda vinda. Nessa perspetiva, cada selo é entendido como simbolizando eventos históricos que ocorreram ao longo da trajetória da Igreja na História. Esses eventos culminariam na segunda vinda de Cristo e no estabelecimento do Reino de Deus na Terra. Essa interpretação enfatiza a relação entre os eventos do Apocalipse e a história da Igreja Cristã.
Os Pais da Igreja:
Os primeiros teólogos e líderes cristãos dos primeiros séculos após Cristo, ofereceram uma variedade de interpretações sobre os sete selos do livro do Apocalipse. Suas interpretações muitas vezes refletiam o
contexto histórico e teológico em que viviam, bem como sua compreensão da Escritura e da tradição cristã.
Algumas das interpretações que os Pais da Igreja ofereceram incluem:
- Interpretação Histórico-Salvífica:
Alguns dos Pais da Igreja viam os selos como representando eventos históricos que ocorreriam ao longo da história da Igreja e do mundo, culminando na segunda vinda de Cristo e no juízo final. Essa interpretação combinava elementos históricos com uma compreensão escatológica da obra de Deus na história humana.
- Interpretação Simbólica e Espiritual:
Outros Pais da Igreja adotaram uma abordagem mais simbólica e espiritual dos selos, vendo-os como representações de princípios espirituais e batalhas espirituais que ocorrem dentro da vida do crente e da comunidade cristã. Eles interpretavam os selos como símbolos de lutas espirituais, transformação interior e vitória através de Cristo.
- Interpretação Cristocêntrica:
Muitos dos Pais da Igreja enfatizavam uma interpretação centrada em Cristo dos selos, vendo-os como revelações da obra redentora de Cristo e de seu papel como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Para os patrísticos, os selos eram vistos como manifestações da vitória de Cristo sobre o mal e como sinais de esperança para os crentes.
- Interpretação Escatológica:
Alguns Pais da Igreja adotavam uma interpretação fortemente escatológica dos selos, vendo-os como eventos que antecedem imediatamente a segunda vinda de Cristo e o fim dos tempos. Eles viam os selos como prenúncios de juízos divinos e eventos catastróficos que marcam o fim da era presente e o início da era vindoura.
Terceiro cenário:
O setenário das trombetas no livro do Apocalipse (8,2- 11,19) desempenha um papel na narrativa apocalíptica, apresentando uma série de eventos simbólicos que culminam nos juízos divinos e na revelação da soberania de Deus sobre a história humana. Essa seção do Apocalipse é marcada por uma estrutura litúrgica, com sete anjos tocando suas trombetas em sucessão, cada uma introduzindo uma cena simbólica distinta.
- Significado das Trombetas:
a) Contexto Litúrgico: A introdução dos sete anjos e suas trombetas em um contexto litúrgico enfatiza a importância desses eventos na adoração celestial e na manifestação da vontade de Deus.
b) Simbolismo da Trombeta: Na tradição bíblica, o som da trombeta tem várias conotações, incluindo chamado para o combate, parte do culto religioso, celebração de festas e acompanhamento de eventos
significativos. Além disso, o som da trombeta está associado a teofanias e momentos de intervenção divina na história de Israel.
c) Escatologia e Juízo Divino: No contexto apocalíptico, o toque das trombetas representa o anúncio dos dias escatológicos, marcados pelos juízos divinos e pela revelação do reino de Deus. Cada toque da trombeta
desencadeia eventos catastróficos que fazem parte do julgamento final de Deus sobre a humanidade.
d) Retorno aos Temas da História da Salvação: Assim como os selos, o setenário das trombetas retorna aos mesmos temas da história da salvação, mas os desenvolve através de imagens diferentes, proporcionando uma perspetiva ampliada e mais profunda sobre esses temas.
e) Desenvolvimento da Reflexão: Cada cena simbólica introduzida pelo toque das trombetas contribui para o desenvolvimento da reflexão apocalíptica sobre a soberania de Deus, o juízo divino e o cumprimento
das promessas de redenção e restauração.
O setenário das trombetas no Apocalipse representa o anúncio dos juízos divinos e a manifestação final do reino de Deus. Sua estrutura litúrgica, simbolismo da trombeta e desenvolvimento da reflexão apocalíptica contribuem para a compreensão da mensagem teológica e escatológica do livro do Apocalipse
como um todo. Em 11,1-13, há um parêntese: o autor apresenta a cidade santa, Jerusalém.
- As duas testemunhas
As duas testemunhas são descritas como indivíduos consagrados a Deus e portadores de sua luz, capazes de executar juízo sobre os inimigos injustos por meio de fogo e outros meios simbólicos. Seus poderes, como controlar a chuva e transformar a água em sangue, são associados a figuras bíblicas proeminentes, como Elias e Moisés.
O fim de seu ministério é apresentado em termos proféticos e de testemunho, evocando passagens do livro de Daniel que descrevem a opressão de Antíoco IV e a promessa de um novo reino divino. Assassinadas em Jerusalém, as duas testemunhas são ressuscitadas por um espírito divino e ascendem triunfalmente
ao céu, simbolizando a vitória sobre seus adversários.
A identificação das duas testemunhas tem sido motivo de divergência entre os acadêmicos, com várias interpretações propostas. Algumas sugerem que sejam figuras históricas do Antigo Testamento, como Moisés e Elias, enquanto outras as veem como figuras do Novo Testamento, como Pedro e Paulo. Outras ainda as consideram figuras simbólicas, representando a Lei e os Profetas ou todos os fiéis da Antiga Aliança suprimidos pelo judaísmo infiel.
A ressurreição das duas testemunhas é associada à intervenção divina na história humana, representando o ápice da intervenção divina e o início de um novo reino esperado pelos apocalípticos. O evento é comparado ao terremoto que ocorreu durante a crucificação de Jesus, destacando seu caráter dramático e decisivo como um julgamento divino.
Assim, a narrativa das duas testemunhas no Apocalipse se encaixa no contexto mais amplo do juízo divino e da inauguração de um novo reino divino, representando a vitória final sobre o mal e a realização das promessas divinas.
A sétima trombeta não provoca infortúnio, mas introduz uma voz do céu, um canto de ação de graças e vitória, com o aparecimento da Arca da Aliança, sinal do pacto entre Deus e os seres humanos.
Quarto cenário:
O dragão e o cordeiro (12,1 – 14,20) João tem uma visão de uma mulher vestida com o sol, coroada com doze estrelas e com a lua sob seus pés, representando inicialmente o povo de Israel e, posteriormente, a Igreja. A cena retratada no Apocalipse, onde uma mulher está em oposição a um monstro, pode parecer familiar, já que muitas culturas antigas também descreveram eventos semelhantes em seus mitos. Essa imagem de uma mulher em oposição a um monstro é recorrente em muitos mitos e tradições antigas ao redor do mundo. Esses mitos variam de cultura para cultura, mas frequentemente envolvem temas como a luta entre o bem e o mal, a criação e a destruição, e a proteção da humanidade contra forças malignas.
Aqui estão alguns exemplos de mitos que apresentam elementos semelhantes ao descrito no livro do
Apocalipse:
- Mitologia Grega:
Perseu e Medusa: Na mitologia grega, Perseu enfrenta a monstruosa Medusa, uma górgona com cabelos de serpentes cujo olhar pode transformar pessoas em pedra. Perseu é auxiliado por deuses e seres divinos,
como Atena e Hermes, enquanto busca decapitar Medusa para salvar sua mãe e proteger seu povo.
- Mitologia Babilônica:
Marduk e Tiamat: No épico babilônico Enuma Elish, o deus Marduk enfrenta a poderosa Tiamat, personificando o caos e a escuridão, representada como uma serpente ou dragão. Marduk, com a ajuda dos deuses, derrota Tiamat em uma batalha cósmica, dividindo seu corpo e usando-o para criar o mundo.
- Mitologia Egípcia
Hórus e Set: Na mitologia egípcia, Hórus, o deus do céu, entra em conflito com seu tio Set, o deus do caos e da violência. A luta entre os dois representa a eterna batalha entre a ordem e o caos, com Hórus eventualmente triunfando sobre Set e restaurando a harmonia cósmica.
- Mitologia Nórdica
Thor e a Serpente de Midgard: Na mitologia nórdica, Thor, o poderoso deus do trovão, enfrenta a Serpente de Midgard, uma criatura gigantesca que representa o caos primordial. Thor luta contra a serpente em uma
batalha épica que simboliza a luta entre a ordem e o caos no universo.
Esses são apenas alguns exemplos de mitos que apresentam elementos semelhantes à imagem da mulher em oposição a um monstro encontrada no livro do Apocalipse. Cada mito reflete as preocupações e valores de sua cultura e oferece as visões de mundo e crenças religiosas das sociedades antigas.
No entanto, o autor do Apocalipse tem suas raízes na tradição bíblica e rejeita fortemente as influências das culturas idolátricas. Assim, procurar paralelos fora da Bíblia é considerado inútil. A cena do capítulo
12 é especialmente influenciada pelo “protoevangelho” de Gênesis 3, retratando uma releitura cristã das influências primordiais e suas consequências históricas.
A mulher retratada no capítulo 12 é uma figura simbólica e rica, que evoca uma relação pessoal entre a humanidade e Deus. As interpretações sobre sua identidade variam, mas podem ser resumidas em quatro modelos principais:Maria, mãe de Jesus; a Igreja; o povo de Israel; e a humanidade como um todo.
Uma interpretação ampla prefere ver na mulher a humanidade em sua beleza original e na experiência de misericórdia vivida pelo povo eleito.
Por outro lado, o monstro demoníaco, representado como uma grande serpente, é descrito de acordo com padrões encontrados em mitos antigos sobre a origem do mundo. Ele representa uma ameaça à humanidade, buscando devorar o nascituro da mulher. Essa imagem pode ser interpretada como uma metáfora do fracasso original do homem e sua incapacidade de produzir salvação por si só.
Dentre os mitos antigos que apresentam figuras semelhantes àquelas encontradas no Apocalipse, destacam-se diversas tradições culturais que desenvolveram narrativas sobre seres monstruosos em oposição a figuras
divinas ou heroicas.
Vejamos alguns exemplos:
Mito da Serpente Apocalíptica (Gnóstico):
Na tradição gnóstica, especialmente nos textos encontrados em Nag Hammadi, a figura da serpente é
frequentemente associada ao demiurgo ou arconte maligno que tenta manter a humanidade aprisionada na ignorância material. Essa serpente é vista como uma força contrária ao divino, buscando impedir a ascensão espiritual dos seres humanos.
Tiamat (Mesopotâmico):
Na mitologia mesopotâmica, Tiamat é uma divindade que personifica o caos primordial e a água salgada. Ela é frequentemente retratada como uma grande serpente ou dragão marinho e é derrotada por Marduk, o deus da Babilônia, em uma batalha cósmica que resulta na criação do mundo ordenado.
Apep (Egípcio):
Apep, também conhecido como Apófis, é uma figura da mitologia egípcia que representa o caos e a escuridão. Ele é frequentemente retratado como uma serpente gigante que tenta devorar o sol durante seu
curso pelo submundo. A batalha entre Apep e o deus solar Rá simboliza a luta entre a ordem e o caos no universo.
Typhon (Grego):
Na mitologia grega, Typhon é um monstro gigante e terrível com características de serpente ou dragão. Ele é filho de Gaia e Tártaro e é considerado uma das mais poderosas ameaças aos deuses olímpicos. Typhon
representa as forças da destruição e do caos, sendo derrotado por Zeus em uma batalha épica.
Esses mitos, assim como o simbolismo encontrado no Apocalipse, exploram temas universais sobre o conflito entre o bem e o mal, a ordem e o caos, e a busca pela redenção e pela salvação. Eles oferecem diferentes concepções culturais sobre esses temas e contribuem para uma compreensão mais ampla das narrativas mitológicas antigas. A batalha entre a mulher e o dragão reflete um esquema apocalíptico mais amplo, destacando a luta entre os poderes divinos e demoníacos. Essa luta é vencida pela intervenção divina, simbolizada pela derrota do dragão e seus seguidores e sua expulsão do céu.
Portanto, a cena do Apocalipse com a mulher e o monstro demoníaco é uma narrativa simbólica que reflete a luta entre o bem e o mal ao longo da história humana, com a promessa de salvação e renovação através da intervenção divina.
Parece evidente que a besta mencionada simboliza o poder político corrupto, representando de forma abstrata e geral toda a dominação histórica. Enquanto Daniel abordou os quatro impérios de sua época, João simplifica o símbolo em uma única figura, não apenas para descrever o Império Romano, mas para ampliar o conceito e apontar para o poder em sua pretensão arrogante de supremacia absoluta. Embora o contexto do século I remeta ao poder imperial de Roma, o símbolo proposto possui uma relevância universal.
A narrativa se concentra na ação da besta, com imagens que se originam de Daniel 7, especialmente relacionadas ao tirano selêucida, que no século II a.C. perseguiu os fiéis de Israel, tornando-se um símbolo do poder político corrompido por Satanás. A descrição da besta por João reflete a aparência desse tirano para
estabelecer uma conexão com o texto antigo e generalizar o grave problema, que ressurgiu de diferentes formas para a comunidade cristã no final do século.
Ao final do primeiro cenário, há uma pausa (v. 9-10), na qual o autor se dirige diretamente aos ouvintes, convidando-os a uma reflexão especial. Com uma expressão proverbial, ele enfatiza o poder do plano divino e reitera que, apesar da arrogância dos impérios terrenos, a história está sob o controle de Deus. A
mensagem final transmite uma ideia essencial: “os santos” são aqueles que mantêm a fé somente em Deus, resistindo à opressão dos tiranos terrenos, pois reconhecem que a história está nas mãos de Deus.
O número da besta é 666
O número 666, mencionado no livro do Apocalipse, tem sido objeto de interpretação e especulação ao longo da história cristã.
Vamos explorar como alguns patrísticos interpretaram esse número:
Irineu de Lyon:
Irineu, um dos primeiros teólogos cristãos, via o número 666 como uma
referência ao imperador romano Nero.
- Ele acreditava que Nero era um tipo de anticristo, e o valor numérico de
seu nome em grego (Neron Kaisar) somava 666. - Essa interpretação estava relacionada à perseguição que os cristãos
enfrentavam sob o governo de Nero.
Hipólito de Roma:
- Hipólito também associou o número 666 a Nero.
- Ele via Nero como um símbolo do mal e da opressão, e o número
representava essa maldade
Outras interpretações:
- Alguns pais da igreja consideravam o 666 como um símbolo mais amplo do mundo secular, representando a imperfeição e a corrupção.
- Além disso, havia especulações sobre o cálculo do nome do Anticristo
usando diferentes sistemas de numeração, como o hebraico ou o latim.
Os pais da igreja interpretaram o número 666 de várias maneiras, mas a associação com Nero e o contexto de perseguição eram comuns. Essas interpretações refletiam a tensão entre a fé cristã e o mundo pagão na época.
“O número enigmático foi interpretado de muitas maneiras segundo os
cálculos da gematria: tanto para os judeus como para os gregos, de fato, as
letras do alfabeto também tinham valor numérico: Assim, dando às letras de
um nome o valor numérico correspondente e, somando-os conjuntamente,
cada nome se transforma em um número. Dessa forma, o enigma não pode
ser resolvido com certeza; enquanto outra linha interpretativa, preferível, se
move do símbolo numérico do “seis”, cifra típica do homem, um sinal de
limite e imperfeição. Assim, a repetição tripla desse número pode aludir ao
esforço vão da criatura para alcançar a plenitude e a perfeição com suas
próprias forças: com essa reflexão, a comunidade deve reconhecer como
ilusória a reivindicação de toda ideologia que rejeita a Deus e visa a
substituí-lo.“
Doglio, C. Ed Vozes. 2020. Literatura Joanina: Introdução aos estudos bíblicos.
Quinto cenário:
As 7 taças e as 7 pragas (15,1 – 16,21)
As sete taças e as sete pragas descritas no livro do Apocalipse representam eventos apocalípticos de juízo divino. Elas são vistas como manifestações da ira de Deus sobre a humanidade e são simbólicas das consequências dos pecados e da rejeição de Deus. Cada taça e praga desencadeia calamidades e catástrofes que afetam aqueles que se opõem ao reino de Deus. Esses eventos são interpretados como avisos para a humanidade se arrepender de seus pecados antes do julgamento final. As pragas, em particular, são vistas como expressões específicas da ira divina contra os ímpios e servem como manifestações do poder de Deus. Essas interpretações refletem a tradição apocalíptica, onde eventos catastróficos são considerados prenúncios do fim dos tempos e do estabelecimento do reino de Deus.
Sexto cenário:
O castigo da Babilônia (17,1 – 19,10)
A prostituta monta em uma besta de sete cabeças. Roma é a cidade das sete muralhas. A Grande Babilônia, mencionada no livro do Apocalipse, é um símbolo complexo e carregado de significado.
Vamos explorar a visão sobre a Babilônia com base em interpretações acadêmicas e teológicas:
Identidade da Grande Babilônia:
- A Babilônia é descrita como uma meretriz (ou prostituta) que seduz as nações
com suas práticas corruptas e encantamentos. - Ela representa um poderoso sistema mundano a serviço de Satanás, que
busca desviar a Igreja da santidade e manter os ímpios na incredulidade.
Conexões com o Império Romano, (Escola Preterista);
- Outros estudiosos veem a Babilônia como uma metáfora para o Império Romano.
- Assim como a antiga Babilônia oprimiu o povo de Deus no passado, o Império Romano também perseguia os cristãos e representava um sistema hostil.
Queda da Babilônia:
- O Apocalipse celebra a condenação da Babilônia. No capítulo 17, encontramos a descrição da meretriz, e no capítulo 18, sua queda é detalhadamente anunciada.
- Essa queda é simbolizada pela sétima taça, que traz relâmpagos, trovões e um grande terremoto.
Significado Espiritual:
- A Babilônia representa forças malignas, sistemas políticos e religiosos que se
opõem a Deus. - Sua derrota é uma vitória espiritual, assim como aconteceu com o povo de
Israel no Egito quando o faraó foi derrotado e a liberdade foi alcançada.
A Babilônia no livro do Apocalipse é um símbolo de opressão, corrupção e conflito espiritual, e sua queda representa a vitória final de Deus sobre as forças do mal.
Sétimo cenário:
A vitória final (19,11 – 22,21):
Na batalha final descrita no Apocalipse 19:11-21, Jesus Cristo é retratado como o guerreiro triunfante, vestido com um manto manchado de sangue, tanto o seu próprio sangue como o dos mártires que o seguiram. Nesse confronto derradeiro entre o bem e o mal, o mal é finalmente derrotado pelo poder de Cristo.
Após essa vitória, o dragão, símbolo do mal, é acorrentado por mil anos, simbolizando o período durante o qual o Reino de Deus se estabelece e se desenvolve na terra. A libertação do dragão no final desse período não resulta na prevalência do mal, mas na sua derrota final, marcando a destruição da morte e a ressurreição dos fiéis.
O cenário muda drasticamente, dando lugar à visão da Jerusalém celestial, uma cidade perfeita e gloriosa, que simboliza a união definitiva entre o homem e Deus. Nessa visão, elementos do Gênesis são evocados, destacando a restauração completa da relação original entre Deus e a humanidade antes da queda.
A imagem da Jerusalém celestial como uma cidade perfeita, com uma estrutura quadrada, sugere sua perfeição e completude. Não haverá mais necessidade de um templo, pois toda a cidade será o Templo de Deus, onde Ele habitará plenamente com seu povo.
O epílogo do Apocalipse apresenta um diálogo entre o autor hipotético da obra e o anjo que o inspirou, reforçando a importância da fidelidade na transmissão das mensagens contidas no livro. O diálogo final entre Jesus e sua noiva, a Igreja, conclui com um aviso para que nada seja acrescentado ou subtraído do
que está escrito.
Essa visão culmina na imagem do Cordeiro de pé diante do trono, representando Jesus Cristo, que, apesar de ter sido imolado, emerge triunfante como o vencedor sobre o mal e o redentor da humanidade.
Escolas Interpretativas:
Clemente de Alexandria, Orígenes, Agostinho de Hipona e outros, interpretaram o livro do Apocalipse de maneiras diversas, muitas vezes influenciadas por seus contextos históricos, teológicos e culturais. Suas interpretações geralmente se enquadram em quatro principais abordagens hermenêuticas:
Interpretação Histórico-Crítica:
Alguns pais da igreja adotaram uma abordagem histórico-crítica, buscando entender o Apocalipse à luz de eventos contemporâneos ou recentes à sua composição. Por exemplo, alguns viam o livro como uma descrição simbólica dos desafios enfrentados pela igreja cristã em seu tempo, como a perseguição romana.
Interpretação Alegórica ou Espiritual:
Outros adotaram uma abordagem alegórica ou espiritual, vendo os eventos e personagens do Apocalipse como símbolos de realidades espirituais mais profundas. Por exemplo, eles poderiam interpretar a Babilônia como uma representação simbólica da cidade do mundo, enquanto as sete trombetas e taças poderiam representar eventos espirituais na vida da igreja.
Interpretação Profética ou Futurista:
Alguns pais da igreja interpretaram o Apocalipse como uma profecia literal do futuro, especialmente relacionada ao retorno de Cristo e ao juízo final. Eles viam as visões do Apocalipse como predições precisas de eventos que ainda estavam por vir.
Interpretação Amilenista ou Preterista:
Outros pais da igreja adotaram interpretações amilenistas ou preteristas, que viam o Apocalipse como uma
descrição simbólica dos conflitos espirituais em curso na época em que foi escrito. Eles não viam o livro como predizendo eventos futuros específicos, mas como uma expressão da luta entre o bem e o mal na história da igreja.
Essas são apenas algumas das abordagens interpretativas dos pais da igreja em relação ao livro do Apocalipse. Cada um contribuiu com sua própria perspectiva única, refletindo a riqueza e a diversidade do pensamento cristão primitivo.